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Os cinco modelos teóricos de Freud


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Mapas Mentais. O que são?

1) O que são mapas mentais?
Mapas mentais são diagramas da categoria dos organizadores gráficos, da qual também fazem parte o diagrama espinha de peixe, o mapa conceitual e outros. Um MM é formado por tópicos, ramos e relações, organizados em níveis a partir de um tópico ou idéia central, e é por isto que a forma de pensar associada a essa estrutura é chamada pensamento radiante. Um tópico pode ser representado por uma palavra ou expressão.

2) Que benefícios posso obter usando mapas mentais?
Os benefícios de usar mapas mentais formam uma cadeia, em que uma coisa leva a outras:
- Melhor organização de conhecimentos, e portanto maior aplicabilidade.
- Mais facilidade na memorização, e conseqüente maior facilidade e segurança na lembrança.
- Foco no que é relevante e importante sobre um tema.
- Aumento da produtividade no estudo.
- Comunicação mais estruturada e segura.
Tudo isso resulta em maior competência e efetividade, o que acaba resultando em maior segurança, autoconfiança, auto-estima e maior prazer em fazer as coisas.
"Colocarei na categoria (mapas mentais) alguns mapas mentais que estou desenvolvendo para nos ajudar a guardar, e estudar assuntos importantes da psicanálise, você pode copiar, e até imprimir. Tenho tido ótimos resultados com os mesmos, me ajudam muito a guardar os assuntos que temos estudado."


Samuel Gouvêa





































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Analisabilidade



1-Introdução.
2-Aliança de Trabalho.
3-Associação Livre.
4-As Reações Transferenciais.
5-As Resistências.
6-Analisando o Material do Paciente.
7-Processos e Procedimentos Terapêutico Não-Analíticos.
1-INTRODUÇÃOSerá o paciente analisável ? Está ele diante de um problema, cujos dados impressionam pela quantidade e pela diversidade temátida, incluindo-se aí :*A higidez ou patologias detectáveis.*As pressões que, de ordinário, as sessões psicanalíticas exercem sobre o nalisando.*A imprevisibilidade no que se refere à duração do tratamento.*A dificuldade de se estabelecer, com rapidez usando-se as entrevistas perliminares, uma avaliação confiável acerca da personalidade do candidato.*Outras do mesmo porte quanto à importância dos eventuais efeitos que podem desencadear. Impondo-se a decisão, optam, via de regra, os analistas, pela exclusão dos casos que evidenciem psicose maníaco-depressiva e as esquizofrenias, aceitando aqueles que se enquadrem nos quadros das diversas formas de histeria, das neuroses, das doenças psicossomáticas e das depressões psico-neuróticas e, com algumas precauções, os caos correspondentes a perversões, aos delinquentes, aos fronteiriços, aos adictos e aos impulsivos.Contudo uma coisa é certa : por mais que o profissional se cerque de cautelas, nunca se pode dizer que o tratamento se desenvolverá sem surpresas, vez que uma determinada sintomatologia atual pode estar mascarando uma grave patologia latente.Em se falando de aliança de trabalho, há que se ter presente que o paciente, quando dos primeiros passos da terapia, deverá mostrar também que está apto a desenvolver uma relação objetal racional, dessexualizada e deagressificada, capacidade esta não disponível quando se é um narcisista, que, também não pode desenvolver relações sublimadas, desprovidas de características interesseiras no seu dia-a-dia, o que o torna caracteristicamente capaz, de no máximo, apresentar manifestações transferenciais fragmentadas, o que as torna não só fugidias, como praticamente inacessíveis, inviabilizando destarte, a psicanálise.Se o narcisista, SF dizia que não havia como tratálo psicanaliticamente, vez que lhe era impossível desenvolver uma neurose transferencial, compreensão adotada ainda hoje, conquanto, nos nossos dias, até portadores de psicoses busquem e recebam tratamento de casos de narcisismo, introduzem alterações nos procedimentos usuais da Psicanálise.2-ALIANÇA DE TRABALHOAs atidudes realistas, racionais e não-neuróticas do paciente em relação ao analista se constitui a aliança de trabalho.É esta parcela do relacionamento paciente-analista que permite ao paciente se identificar com o ponto de vista do analista e trabalhar com o analista apesar das reações transferenciais neuróticas.A técnica psicanalista visa diretamente ao ego porque só o ego tem acesso direto ao id, ao superego e ao mundo externo.Nosso objetivo é fazer com que o ego renuncie às suas defesas patogênicas ou encontre outras mais convenientes. As velhas manobras defensivas demonstraram ser inadequadas; uma defesa nova, uma defesa diferente ou nenhuma defesa poderia permitir alguma descarga instintual sem culpa ou ansiedade. A descarga do id diminuiria a pressão instintual e o ego ficaria, então, numa posição relativamente mais forte.O psicanalista tem a esperança de induzir os aspectos relativamente maduros do paciente do ego para lutar com o que, outrora, foi banido da consciência por ser muito perigoso. O analista espera que, sob a proteção da aliança de trabalho e da transferência positiva não sexual, o paciente irá olhar novamente para aquilo que outrora achou muito ameaçador, espera que o paciente seja capaz de reavaliar a situação e finalmente, atreva-se a tentar novas maneiras de lidar com o perigo antigo.Pouco a pouco o paciente vai compreender que os impulsos instintuais da infância - que foram arrasadores para os recursos de um ego infantil e que foram distorcidos por um superego infantil, que esses impulsos podem ser vistos de forma diferente na vida adulta.O trabalho psicológico que ocorre depois que houve uma compreensão interna e que provoca uma mudança estável no comportamento ou atitude é denominado elaboração. Tal trabalho consiste em processos como a autilização e a assimilação da compreensão interna e a orientação.Desta maneira, a psicanálise tenta inverter, desvalorizar o processo da neurose e da formação de sintoma. A única solução válida e segura é conseguir mudanças estruturais no ego, o que lhe irá permitir renunciar às suas defesas ou encontrar alguma que permita descarga instintual adequada.3-ASSOCIAÇÃO LIVRE Na psicanálise clássica, para comunicar o material clínico, o paciente tenta, como forma predominante de comunicação, a associação livre. Geralmente, esse processo começa depois de concluídas as entrevistas preliminares. Nas entrevistas preliminares, o analista pôde chegar a uma avaliação da capacidade do paciente para trabalhar na situação analítica. Parte da avaliação consistiu em determinar se o paciente, em suas funções do ego, dispunha de elasticidade para ocilar entre as funções do ego, dispunha de elasticidade para oscilar entre as funções mais regressivas do ego quando estas são necessárias na associação livre e entre as funções do ego mais maduras, funções estas necessárias à compreensão das intervenções analíticas, respondendo a perguntas diretas e voltando à vida quotidiana no final da sessão.Geralmente, o paciente associa livremente durante quase toda a sessão mas ele pode também relatar sonhos e outros acontecimentos de sua vida quotidiana ou do seu passado.Uma das características da psicanálise é que se pede ao paciente que inclua suas associações quando narra seus sonhos ou outras experiências.A associação livre tem prioridade sobre todos os outros meios de produção de material na situação analítica.Contudo, a associação livre pode ser usada erradamente para ajudar a resistência.É tarefa, então, do analista, analisar tais resistências para restabelecer o uso adequado da associação livre. Pode acontecer, também, que um paciente não consiga interromper a associação livre devido a um colapso das funções do ego. Este é um exemplo de situação de emergência que surge no decorrer de uma análise. O trabalho do analista, então, deveria ser o de tentar restabelecer o raciocínio do processo secundário e lógico do ego.4-AS REAÇÕES TRANSFERENCIAISPara que ocorram as reações transferenciais na situação analítica, o paciente deve estar disposto e capacitado para correr o risco de alguma regressão temporária em relação às funções do ego e das relações objetais.O paciente deve ter um ego capaz de regredir temporariamente às reações transferenciais mas tal regressão deve ser parcial e reversível de modo que o paciente possa ser tratado analiticamente e ainda assim viver no mundo real.As pessoas que não se atrevem a regredir da realidade e aquelas que não conseguem voltar rapidamente à realidade são riscos indesejados para a psicanálise.Freud dividiu as neuroses em dois gurpos baseando-se no fato de o paciente conseguir ou não desenvolver e manter um conjunto relativamente coerente de reações transferenciais e mesmo assim agir na análise e no mundo externo. Os pacientes com uma “neurose de transferência” conseguiam fazer isso ao passo que os pacientes sujeitos a uma “neurose narcísica” não o conseguiam.5-AS RESISTÊNCIASA resistência implica todas as forças dentor do paciente que se opõem aos procedimentos e processos do trabalho psicanalítico. Em maior ou menor grau, ela está presente desde o começo até o fim do tratamento.As resistências defendem o status quo da neurose do paciente. As resistências se opõe ao analista, ao trabalho analítico e ao ego racional do paciente. A resistência é um conceito operacional, não foi inventada recentemente pela análise. A situação analítica se transforma na arena em que as resistências se acabam revelando.As resistências são repetição de todas as operações defensivas utilizadas pelo paciente em sua vida passada.Todas as variações de fenômenos psíquicos podem ser utilizados objetivando a resistência mas, qualquer que seja sua fonte, a resistência age através do ego do paciente.Embora alguns aspectos de uma resistência possam ser conscientes, uma parte fundamental é realizada pelo ego inconsciente.A terapia psicanalítica se caracteriza pela análise sistemática e completa das resistências. É trabalho do analista descobrir como o paciente resiste, a que está ele resistindo e por que ele age assim. A causa imediata de uma resistência é sempre evitar algum afeto doloroso como a ansiedade, culpa ou vergonha. Por trás deste motivo iremos encontrar um impulso instintual que disparou o afeto doloroso. No final das contas, descobrir-se-á que é o medo de um estado traumático que a resistência está tentando evitar.6-ANALISANDO O MATERIAL DO PACIENTEO termo “analisar” é uma expressão compacta que abrange aquelas técnicas que aumentam a compreensão interna.Em geral, inclui quatro procedimentos diferentes:a)Confrontação: o fenômeno em questão tem que se ter tornado evidente, tem que ter ficado explícito ao ego consciente do paciente.Por exemplo, antes que eu possa interpretar o motivo que possa ter um paciente para eviar um determinado assunto na sessão, tenho primeiro de fazer com que ele enfrente o fato de estar evitando alguma coisa. Algumas vezes, o próprio paciente vai perceber tal fato e não terei necessidade de fazê-lo.Todavia, antes que sejam tomadas quaisquer medidas analíticas posteriores, deve ter-se certeza de que o paciente discerne dentro de si mesmo o fenômeno psíquico que estmos tentando analisar.b)Esclarecimento: abrange aquelas atividades que visam a colocar o fenômeno psíquico sendo analisado sob um enfoque cerrado.Os detalhes importantes têm que ser desenterrados e cuidadosamente separados dos assuntos não ligados à questão.A variedade ou padrão especial do fenômeno em questão tem que ser separado e isolado.c)Interpretação: é este procedimento que distingue a psicanálise de todas as outras psicoterapias porque, em psicanálise, a interpretação é o instrumento decisivo e fundamental. Todos os outros procedimentos preparam para a interpretação ou ampliam uma interpretação ou então cada um dos outros procedimentos talvez tenha, também, de ser interpretado.Interpretar significa tornar consciente um fenômeno inconsciente.Mais precisamente, significa tornar consciente o significado, fonte, história, modo ou causa inconscientes de um determinado fato psíquico.d)Elaboração: abrange um conjunto complexo de procedimentos e processos que ocorrem depois que há uma compreensão interna. O trabalho analítico que possibilita que uma compreensão interna provoque uma mudança é o trabalho da elaboração. Ela abrange, no geral, nas investigações complexas, progressivas e repetitivas das resistências que impedem que uma compreensão interna provoque uma mudança. Além de ampliar e aprofundar a análise das resistências, as reconstruções também têm uma importância especial.A elaboração põe em movimento uma variedade de processos circulares nos quais a compreensão interna, a memória e a mudança de comportamento se influenciam reciprocamente.Deve assinalar-se que parte do trabalho de elaboração é feito pelo paciente fora da sessão analítica. A elaboração é o elemento que precisa e toma mais tempo na terapia psicanalítica. Em raríssimas ocasiões a compreensão interna realmente provoca uma mudança rápida no comportamento; e nesse caso, geralmente é transitória ou permanece isolada e não-integrada.Em geral, é necessária uma boa dose de tempo para superar as forças poderosas que resistem à mudança e para estabelecer mudanças estruturais profundas.7-PROCESSOS E PROCEDIMENTOS TERAPÊUTICO NÃO-ANALÍTICOSNa psicanálise clássica, são um tanto utilizadas outras variedades de processos e procedimentos terapêuticos mas com o objetivo de preparar para a compreensão interna ou para tornar tal compreensão realmente eficaz.Todas as medidas não-analíticas se acabam também tornando objeto de análise.Os três agentes terapêuticos não-analíticos importantes são:a)A ab-reação ou catarse: engloba a descarga de emoções e impulsos bloqueados.Freud considerou a ab-reação um método de tratamento positivo para a cura. Atualmente consideramos que a ab-reação dá uma sensação ao paciente de convicção quanto à realidade de seus processos inconscientes.b)A sugestão: abrange a indução de idéias, emoções impulsos num paciente independente do/ou com a exclusão do raciocínio realista do paciente.Está presente em todas as formas do psicoterapia porque a sugestão provém do relacionamento pais-criança e, as pessoas em desepero, assumem com rapidez a posição emocional de uma criança em relação ao terapeuta-pai/mãe.c)A manipulação: é uma atividade evocativa realizada pelo analista sem o conhecimento do paciente.Geralmente é empregada para acelerar vários processos que surgem durante uma análise terapêutica clássica.8-ANALASIBILIDADE - CONCLUSÃOO problema de determinar as indicações e contra-indicações ao tratamento psicanalítico depende de dois pontos distintos mas relacionados.A primeira pergunta, e a mais importante, a que temos que responder é : O paciente é analisável? A segunda pergunta , contingente, é: Será que o tratamento psicanalítico vai corresponder plenamente às necessidades do paciente ? A psicanálise é um tratamento demorado levando, geralmente, de três a cinco anos. O conjunto da vida do indivíduo deve ser considerado para avaliar se você deve ou não recomendar este tipo de psicoterapia.O problema da analisabilidade é complexo porque depende de muitas qualidades e características diferentes do paciente, tanto saudáveis como patológicas. Além disso, também é preciso estar inteiramente familiarizado com as muitas e pesadas exigências que o processo e procedimento psicanalíticos impõem ao paciente.Freud bem cedo percebeu que os critérios individuais, por mais importantes e definidos que sejam, não permitem de forma alguma, uma previsão perfeita da analisabilidade de um paciente. Temos que tentar levar em conta a personalidade toda e isso é extremamente difícil de avaliar depois de umas poucas entrevistas preliminares.No entanto, é justamente nesse momento que o terapeuta tem que fazer suas recomendações quanto à escolha de tratamento.As entrevistas preliminares demoradas e os testes psicológicos talvez ajudem com determinados pacientes, porém não permite previsões seguras.Numa diagnose, a primeira coisa que sucede é a abordagem médica, tradicional, para determinar a forma de tratamento.Freud achava que, sendo os pacientes psicóticos essencialmente narcísicos, os mesmos não poderiam ser tratados pela psicanálise porque não podiam desenvolver uma neurose transferencial.A terapia psicanalítica seria indicada para a histeria de angústia, histeria de conversão, neurose obsessiva e compulsiva, depressões psiconeuróticas e muitas das neuroses de caráter e das assim chamadas doenças “psicossomáticas”.Seria contra-indicada para as diversas formas de esquizofrenia e psicose maníaco-depresiva. Outros distúrbios de caráter como as neuroses de impulso, perversões, vícios, delinquencias e casos fronteiriços têm sua analisabilidade questionada que teria que ser determinada pelas características especiais do caso individual.Sem dúvida alguma, a diagnose clínica é importante para determinar a disposição do paciente para a análise mas, infelizmente, precisa-se em geral, de muito tempo para se chegar a uma diagnose definitiva.Algumas vezes, a psicopatologia atual é um simples disfarce para uma patologia mais ameaçadora que está escondida e latente. A presença de sintomas histéricos não significa que o paciente seja essencialmente um histérico; ou, vice-versa, a sintomatologia bizarra pode ainda ter a estrutura da histeria. Os sintomas não estão ligados a síndromes específicas de diagnóstico como costumávamos achar.Algumas vezes, só se chega a uma diagnose sólida no final de uma longa análise.Costumava supor-se que a presença de uma fobia indicava histeria de angústia mas hoje sabemos qua as fobias podem estar presentes nos histéricos, obsessivos, depressivos e esquizóides.Podemos dizer o mesmo dos sintomas de conversão, sintomas psicossomáticos, inibições sexuais, etc…A persença de um sintoma específico mostra alguma coisa sobre certos aspectos da patologia do paciente. Mas não nos diz se esta formação patológica é central ou periférica, se é um fator predominante ou secundário na estrutura da personalidade do paciente.Embora a diagnose nos mostre muita coisa sobre a patologia, pode indicar relativamente pouco sobre os recursos saudáveis do paciente em questão.Alguns casos obssessivos se transformam em excelente pacientes e outros são não-analisáveis. Os tipos controvertidos de pacientes, por exemplo, perversões e casos fronteiriços, têm uma proporção variada de recursos saudáveis.No entanto, é a reserva de capacidades positivas, não a patologia, que pode vir a ser o fator decisivo. O centro de enfoque tem de ser a avaliação ou a patologia. Um método de abordagem valioso no problema da analisabilidade consiste em investigar as qualidades positivas do paciente em relação às exigências específicas da terapia psicanalítica. Como já dissemos, o tratamento psicanalítico é uma terapia demorada, dispendiosa e de longo alcance, terapia que, pela sua própria natureza, é, frequentemente, muito dolorosa. Assim, só os pacientes profundamente motivados irão trabalhar com entusiasmo na situação analítica. Os sintomas do paciente os os traços de caáter contraditórios lhe devem causar uma dose suficiente de sofrimento para capacitá-lo a suportar os rigores do tratamento. A infelicidade neurótica deve interferir em aspectos importantes da vida do paciente e a consciência da miséria de sua situação deve ser mantida se quisermos que o paciente continue motivadao. Problemas triviais e os palpites dos parentes, namorados ou amantes e dos patroões não justificam de forma alguma que se inicie um tratamento psicanalítico. A curiosidade científica ou o desejo de progredir profissionalmente não irão motivar um analisando para que se submeta a uma experiência analítica profunda a não ser que tudo isso esteja relacionado com uma necessidade terapêutica adequada. Os pacientes que exigem resultado rápidos ou que têm um ganho secundário enorme de suas doenças também não terão a motivação necessária. Os masoquistas que necessitam de seu sofrimento neurótico podem começar a análise e ficar, depois, presos ao sofrimento do tratamento. Eles constituem um problema de difícil avaliação quanto à motivação para se curar. As crianças são motivadas de forma bem diferente dos adultos e também precisam ser avaliadas de um ponto de vista diferente.A psicanálise exige que o paciente tenha a capacidade de desempenhar, de maneira maio ou menos firme e repetida, as funções do ego que estão em contradição entre si. Por exemplo, para chegar à associação livre o paciente deve ser capaz de regredir em seu raciocínio, deixar as coisas surgirem passivamente, abandonar o controle de seus pensamentos e emoções e renunciar, parcialmente, ao seu teste de realidade. Mesmo assim, também esperamos que o paciente nos compreenda quando lhe transmitimos alguma coisa, que faça por conta própria algum trabalho analítico, que controle suas ações e emoções depois da sessão e que fique em contato com a realidade. Apesar de sua neurose, espera-se que o paciente tenha funções do ego flexíveis e elásticas.Também exigimos que o paciente possua a capacidade de regredir e sair da regressão no relacionamento com seu psicanalista. Espera-se que ele desenvolva diversas formas de reações transferenciais regressivas, seja capaz de mantê-las e também trabalhe com elas como colaborador do analista. Em geral, os pacientes psicóticos ou orientados narcisicamente não são indicados para a psicanálise.A capacidade para a empatia é fundamental para uma boa disposição psicológica e depende da capacidade para uma boa disposição psicológica e depende da capacidade para uma identificação parcial e temporária com outros. Ela é necessária para uma comunicação eficaz entre paciente e analista e deve estar presente em ambos. As pessoas retraídas e desinteressadas, emocionalmente, não são bons candidatos à terapia psicanalítica.A associação livre acaba levando à exposição de detalhes dolorosos e íntimos da vida pessoal de uma pessoa. Donde se conclui, portanto, que um paciente adequado deve possuir um grau elevado de honestidade e de integridade de caráter. Também exige a capacidade de comunicar inteligivelmente sobre combinações sutis de emoções. Também constituem riscos inadequados as pessoas com graves problemas de raciocínio e distúrbios da fala. Também são candidatos inadequados à psicanálise as pessoas com caráter impulsivo, pessoas que não aguentam esperar, que não suportam a frustação ou emoções dolorosas.Outra série de fatores que tem que ser levada em conta é a situação da vida externa do paciente. Uma doença ou incapacidade física graves podem exaurir a motivação de um paciente ou acabar com suas energias para o trabalho psicológico. Em determinadas ocasiões, uma neurose pode ser um mal bem menor do que determinada doença arrasadora ou uma situação de vida miserável. Em geral, os pacientes que estão no auge de um caso de amor excitante não estão aptos para trabalhar na análise. A presença de um marido intrometido, genioso e briguento, ou de uma esposa ou pai/mãe- pode tornar a análise temporariamente inexequível. Não se pode fazer um trabalho analítico num campo de batalha. É preciso que haja oportunidade para a contemplação e introspecção fora da sessão analítica. E depois, temos os elementos práticos: tempo e dinheiro, ambos, geralmente, fundamentais. As clínicas psicanalíticas podem diminuir o desgaste financeiro mas, até agora, nada que se conheça pode substituir o tempo prolongado exigido pelo tratamento psicanalítico. Todas as considerações anteriores são úteis para determinarmos se a psicanálise é indicada ou contra-indicada para um determinado paciente. Todavia, anos de trabalho clínico nos ensinaram que somente a experiência real de um período de análise pode determinar, com segurança, se um paciente está apto para fazer psicanálise. Aparentemente, existem inúmeras variáveis e incógnitas para que qualquer outro método emita previsões seguras. A maioria dos analistas, não estabelece um limite de tempo específico para uma análise de experiência mas alude ao elemento provisório de diferntes maneiras.
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A resistência


Resistência

1-Introdução
2- Histórico e compreensão das resistências.
3- Tipos, fontes e identificação das resistências.
4- Definição, conceitos e o manejo com a resistência.5- Fragmentos da obra de Freud sobre resistência.
5.1- O processo de formação da resistência.
5.2- Resistência – Sintomas e repressão.
5.3- Resistência e anticatexia.
6- Uma visão kleiniana sobre resistência.
7- Um outro viés sobre resistência - de Freud a Lacan.

1-INTRODUÇÃO.A resistência implica todas as forças dentro do paciente que se opõem aos procedimentos e processos do trabalho psicanalítico. Em maior ou menor grau, ela está presente desde o começo até o fim do tratamento. As resistências defendem o “status quo” da neurose do paciente. As resistências se opõem ao analista, ao trabalho analítico e ao ego racional do paciente. A resistência é um conceito operacional, não foi inventada recentemente pela análise. A situação analítica se transforma na arena em que as resistências se acabam revelando.As resistências são repetições de todas as operações defensivas utilizadas pelo paciente em sua vida passada. Todas as variações de fenômenos psíquicos podem ser utilizados objetivando a resistência, mas, qualquer que seja sua fonte, a resistência age através do ego do paciente. Embora alguns aspectos de uma resistência possam ser conscientes, uma parte fundamental é realizada pelo ego inconsciente.A terapia psicanalítica se caracteriza pela análise sistemática e completa das resistências. É trabalho do analista descobrir como o paciente resiste, a que está ele resistindo e por que ele age assim. A causa imediata de uma resistência é sempre evitar algum afeto doloroso como a ansiedade, culpa ou vergonha. Por trás deste motivo iremos encontrar um impulso instintual que disparou o afeto doloroso. No final das contas, descobrir-se-á que é o medo de um estado traumático que a resistência está tentando evitar.Desde os primórdios da psicanálise, o fenômeno resistência tem sido exaustivamente estudado em sua teoria e técnica, mas nem por isso, na atualidade, perdeu em significação e relevância. Pelo contrário, ele continua sendo considerado a pedra angular da prática analítica e, cada vez mais, os autores prosseguem estudando-o sob renovados vértices de abordagem e conceitualização.Na qualidade de conceito clínico, a concepção de resistência surgiu quando Freud discutiu as suas primeiras tentativas de fazer vir à tona as lembranças “esquecidas” de suas pacientes histéricas. Isto data de antes do desenvolvimento da técnica da associação livre, quando ele ainda empregava a hipnose, e a sua recomendação técnica era no sentido de insistência (por parte do psicanalista) como o contrário da resistência (por parte do paciente).Este método de coerção associativa empregada por Freud incluía uma pressão de ordem física que ele próprio procedia e recomendava como “colocando a mão na testa do paciente, ou lhe tomando a cabeça entre minhas duas mãos” a fim de conseguir a recordação e verbalização dos conflitos passados.2-HISTÓRICO E COMPREENSÃO DAS RESISTÊNCIAS.Freud empregou o termo resistência, pela primeira vez, ao se referir a Elisabeth Von R. (1893), com a palavra original “widerstand”, sendo que em alemão “wider” significa “contra”, como uma oposição ativa. Até então a resistência era considerada exclusivamente como um obstáculo à análise, correspondendo sua força à quantidade de energia com que as idéias tinham sido reprimidas e expulsas de suas associações.Freud escreveu na conferência XIX - Resistência e Repressão, “A resistência dos neuróticos à remoção de seus sintomas tornou-se a base do ponto de vista dinâmico das neuroses. Inicialmente, Breuer e eu empreendíamos a psicoterapia por meio da hipnose; a primeira paciente de Breuer foi totalmente tratada sob influência hipnótica, e, no início, eu o segui neste procedimento. Admito que, naquela época, o trabalho avançava mais fácil e satisfatoriamente, e também em muito menos tempo. Os resultados eram, porém, incertos e não duradouros, e por essa razão finalmente abandonei a hipnose. E então compreendi que não se tornaria possível a compreensão da dinâmica destas doenças enquanto fosse empregada a hipnose. Este estado era justamente capaz de subtrair à percepção do médico [psicanalista] a existência da resistência. Ele fazia recuar a resistência, tornando uma determinada área livre para o trabalho analítico e represava-a nas fronteiras desta área sob uma tal forma, que se tornava impenetrável, do mesmo modo como a dúvida age na neurose obsessiva. Por esse motivo, tenho podido declarar que a psicanálise propriamente dita começou quando dispensei o auxílio da hipnose”.O termo “resistência”, por longo tempo, foi empregado com uma conotação de juízo pejorativo. A própria terminologia utilizada para caracterizá-la, em épocas passadas (de certa forma, ainda persistindo no presente), era impregnada de expressões típicas de ações militares, como se o trabalho analítico fosse uma beligerância do paciente contra o analista e vice-versa. Em A interpretação dos sonhos (1900), os conceitos de resistência e de censura estão intimamente relacionados: a “censura” é para os sonhos aquilo que a “resistência” é para a associação livre. Neste trabalho, em suas considerações sobre o esquecimento dos sonhos, Freud deixou postulado que uma das regras da psicanálise é que tudo o que interrompe o progresso do trabalho psicanalítico é uma resistência.Aos poucos, com a tática de ir da periferia em direção à profundidade, Freud foi entendendo que o reprimido mais do que um corpo estranho era algo como um “infiltrado”. Assim, ele começa a deixar claro que a resistência não era dirigida somente à recordação das lembranças penosas, mas também contra a percepção de impulsos inaceitáveis, de natureza sexual, que surgem distorcidos. Com isso, Freud conclui que o fenômeno resistencial não era algo que surgia de tempos em tempos na análise, mas sim que ele está permanentemente presente.Muitos outros autores, contemporâneos de/ou posteriores a ele, trouxeram importantes contribuições ao estudo das resistências, como são, entre tantos outros: Ferenczi (1918) apontou para o fato de que a própria regra fundamental da livre associação de idéias podia ser usada para fins resistenciais; Abraham (1919) descreveu com maestria aspectos ainda vigentes das resistências crônicas de natureza narcisística; W. Reich (1933) insistia no fato de que o trabalho primordial do psicanalista, de início, deveria ser a remoção da “couraça caracterológica” formada do tipo de resistência que ele denominou “resistência de caráter”; J. Rivière (1936) fez um importante estudo sobre as defesas maníacas na gênese da RTN, como uma forma resistencial de negação das ansiedades depressivas; Anna Freud (1936), seguindo os esboços do pai, foi a primeira a fazer uma clara sistematização das defesas que o ego utiliza como resistências, demonstrando que essas não são apenas obstáculos ao tratamento, mas são também importantes fontes de informação sobre as funções do ego em geral. M.Klein, desde 1920, com os seus conhecidos estudos sobre o psiquismo primitivo e a análise com crianças, propiciou uma compreensão bastante mais clara acerca dos arcaicos recursos defensivos que o ego utiliza como movimentos resistenciais; Rosenfeld (1965) aprofundou o estudo das resistências em pacientes de personalidade narcisística, não psicóticos, nos quais um “self idealizado”, patológico e de gênese precoce obriga o indivíduo a um boicote e a uma permanente resistência contra o aparecimento de genuínas necessidades da parte infantil dependente; Bion, embora não tenha produzido nenhum artigo explicitamente sobre resistências, deixou um importante legado sobre este tema, notadamente pelo seu enfoque da vincularidade analítica. Lacan, que sempre pregou um “retorno a Freud”, tem extraído uma significação especial para a compreensão de algumas formas de resistência nas terapias psicanalíticas. Sua formulação básica fica baseada no fato de que o desejo da criança (paciente) é o de ser desejado pelo Outro (pais no passado; analista, no presente).Em outras palavras, a criança, para garantir o amor dos pais, pode ter aprendido, desde sempre, a adivinhar e a cumprir as expectativas ideais dos mesmos; logo, o seu desejo confunde-se como sendo o “desejo do outro”. A não ser assim, a criança de ontem – nosso analisando de hoje – correria o grave risco de perder o amor do superego e do objeto externo, sendo que isso acontece, sobrevém uma reação do tipo de protesto, desesperança e retraimento, nos mesmos moldes que as crianças, estudadas por Spitz (1945), que tiveram abandonos prematuros. É evidente que a reprodução disso tudo no campo analítico configura-se sob a forma de poderosas resistências inconscientes, como, por exemplo, a de um estado mental de desistência. A evolução do conceito de resistência, na prática analítica, sofreu uma profunda transformação, desde os tempos pioneiros em que ela era considerada unicamente como um obstáculo de surgimento inconveniente, até os dias de hoje, quando, embora se reconheça a existência de resistências que obstruem totalmente o curso exitoso de uma análise, na grande maioria das vezes o aparecimento das resistências no processo analítico é muito bem-vindo, porquanto elas representam, com fidelidade, a forma de como o indivíduo defende-se e resiste no cotidiano de sua vida.Assim, de modo genérico, a resistência no analisando é conceituada como a resultante da forças dentro dele, que se opõem ao analista, ou aos processos e procedimentos à análise, isto é, que obstaculizam as funções de recordar, associar, elaborar, bem como o desejo de mudar. Nessa perspectiva, continua vigente o postulado de Anna Freud (1936) de que a análise das resistências não se distingue da análise das defesas do ego, ou seja, da “permanente blindagem do caráter”.3- TIPOS, FONTES E IDENTIFICAÇÃO DAS RESISTÊNCIAS.Freud descreveu os tipos e fontes das resistências da seguinte maneira: “Não se deve supor que essas correções nos proporcionem um levantamento completo de todas as espécies de resistência encontradas na análise. A investigação ulterior do assunto revela que o analista tem de combater nada menos que cinco espécies de resistência, que emanam de três direções — o ego, o id e o superego. O ego é a fonte de três, cada uma diferindo em sua natureza dinâmica. A primeira dessas três resistências do ego é a resistência da repressão. A seguir vem a resistência da transferência, que é da mesma natureza, mas que tem efeitos diferentes e muito mais claros na análise, visto que consegue estabelecer uma relação com a situação analítica ou com o próprio analista, reanimando assim uma repressão que deve somente ser relembrada. A terceira resistência, embora também uma resistência do ego, é de natureza inteiramente diferente. Ela advém do ganho proveniente da doença e se baseia numa assimilação do sintoma no ego. Representa uma não disposição de renunciar a qualquer satisfação ou alívio que tenha sido obtido. A quarta variedade, que decorre do id, é a resistência que, necessita de ‘elaboração’. A quinta, proveniente do superego e a última a ser descoberta, é também a mais obscura, embora nem sempre a menos poderosa. Parece originar-se do sentimento de culpa ou da necessidade de punição, opondo-se a todo movimento no sentido do êxito, inclusive, portanto, à recuperação do próprio paciente pela análise”.Freud aprofundou bastante o estudo sobre resistências em “Inibição, sintoma e ansiedade” (1926), quando, utilizando a hipótese estrutural, descreveu cinco tipos e três fontes das mesmas. Os tipos derivados da fonte do ego eram:a) Resistência de repressão: consiste na repressão que o ego faz, de toda percepção que cause algum sofrimento.b) De transferência: a paciente manifesta uma resistência contra a emergência de uma transferência “negativa”, ou “sexual”, com o seu analista. c) De ganho secundário: pelo fato de que a própria doença concede um benefício a certos pacientes, como histéricos, personalidades imaturas, e aqueles que estão pleiteando alguma forma de aposentadoria por motivo de doença, essas resistências são muito difíceis de abordar, eis que egossintônicas.d) As resistências provindas do id: Freud as considerava como ligadas à “compulsão à repetição” e que, juntamente com uma “adesividade da libido”, promovem uma resistência contra mudanças. e) A resistência oriunda do superego, a mais difícil de ser trabalhada, segundo Freud, por causa dos sentimentos de culpa que exigem punição.No clássico “Análise Terminável e Interminável” (1937), Freud introduz alguns novos postulados teórico - técnicos, e creio que se pode dizer que aí ele formula um sexto tipo de resistência: a que é provinda do ego contra o próprio ego: “em certos casos, o ego considera a própria cura como um novo perigo”. Neste mesmo trabalho de 1937, Freud aporta outras importantes contribuições sobre resistências, como são as seguintes: o conceito da Reação Terapêutica Negativa (RTN) como sendo aderido ao instinto de morte; a valorização do papel da contratransferência, sendo que ele aponta que a resistência do analisando pode ser causada pelos “erros do analista”, a observação de que a resistência no homem se deve ao medo dos desejos passivo-femininos em relação a outros homens, enquanto a resistência das mulheres deve-se em grande parte à “inveja do pênis”; e Freud também alude ao surgimento de uma “resistência contra a revelação das resistências”.A resistência se manifesta clinicamente muitas vezes de maneira complexa ou sutil. Podemos identificar atitudes de resistência como, por exemplo:a) No paciente silencioso, de uma forma consciente ou inconsciente, o paciente se nega a transmitir seus pensamentos, desta forma, atentar para a comunicação não verbal. b) O discurso intelectualizado é muito racional buscando um isolamento em alguns casos para resistir a algum afeto.c) Uma postura fixa, intranqüila, movimentos repentinos.d) Se fixa num determinado assunto, num tempo, (passado ou presente), em trivialidades, em assuntos externos, para evitar uma introspecção. Evita determinados temas (sexuais, agressivos). Muitas vezes, ao invés de usar sua verbalização para comunicar, usa para confundir.e) Mostra determinado ritual, como a rigidez no horário, traz anotações, começa a sessão de uma mesma forma ou com assuntos já decorados.f) A maneira falar é muito técnico, racional, formal. Evita certas palavras pelo seu sinônimo. Fala muito enfaticamente sobre algo. Fala por subentendidos e enigmas, fazendo da análise um jogo de adivinhação. Já outros transformam a sessão em polêmica, como se a análise fosse um jogo de opiniões.4- DEFINIÇÃO, CONCEITOS E O MANEJO COM A RESISTÊNCIA.É toda e qualquer força interna do paciente que se opõe ao processo terapêutico. É um reerguimento das defesas do paciente. As pessoas, no desenvolvimento de seu Ego, frente às vicissitudes inerentes à sua socialização e aprendizado de vida, constroem mecanismos de defesas normais, para que suas pulsões possam se manifestar, porém de uma maneira adequada, dentro de um padrão de ordem moral e social. O complicador é quando estes mecanismos de defesas, devido a traumas psicológicos excessivos (positivos ou negativos), são construídos e atuados, de uma forma exacerbada, aos moldes de um quimioterápico anticancerígeno que, em doses excessivas matam, além das células cancerígenas, também as células normais, e conseqüentemente a pessoa.Podemos dizer que as forças resistenciais que se erguem no “setting” analítico, são as mesmas forças dos mecanismos de defesas normais e patológicas, que o indivíduo usa no seu cotidiano para manter sua sobrevivência. As resistências são a manutenção do “status quo” que com tanto sacrifício, o paciente montou, no transcorrer de seu desenvolvimento. O principal motivo da resistência é a de evitar um “sofrimento”, ou seja, de passar por tudo aquilo, pelo qual ele mantém reprimido.São forças internas, inconscientes ou conscientes, do analisando que se opõe ao analista, ao processo, e aos procedimentos da análise, obstaculizando a função de recordar, associar, elaborar, bem como o desejo de mudar. Ao contrário, de ser um obstáculo indesejável, é sempre bem vinda, porquanto representa a forma de como o indivíduo defende-se e resiste, no cotidiano de sua vida, e compreendendo o analista, a este “modus operandis” de se defender, pode ele, demonstrar ao paciente como que ele construiu suas defesas, “como que ele funciona”.Quanto mais frágil o ego do paciente, mais forte o é para resistir. Em pacientes mais regredidos, estes opõem sérias resistências às mudanças, e desejam manter as coisas como elas estão, não porque não desejam curar-se, mas é que não acreditam nas melhoras, ou que as mereçam, ou porque correm o “sério risco” de voltar a sentir as dolorosas experiências passadas, (traição, humilhação). “Seu objetivo de vida é para sobreviver e não para viver”.Por isso enquanto houver “re-sistência” (no sentido de re= voltar e sistência= existir), a análise flui bem, porém quando a forma de resistência é a de “de-sistência” (de ser), ou seja o indivíduo não tem desejo para mais nada na vida, o único desejo seu, é o não ter desejo (que podem representar os suicidas em potencial). Sempre haverá de existir resistência do início ao fim da análise. Para se interpretar a resistência, deve-se primeiro, demonstrá-la e esclarecê-las.O paciente, segundo Bion, mantém com o analista, um “acordo manifesto” e um “desacordo latente”. Aparentemente ele é assíduo, colaborador, gentil, que concorda com o analista (aparentemente aceitando as interpretações), porém no fundo, ele as desvitaliza, achando-as não importantes, entra por um ouvido e sai pelo outro, e de uma maneira sutil, sem demonstrar contradição vai impondo e mantendo suas próprias opiniões, sem aceitar as do analista.Muitas vezes conscientemente por vergonha ou medo de ser rejeitado pelo analista, escondem algum assunto que acham, vão “desonrá-lo” perante o analista, querem manter uma imagem positiva diante do analista, e para fugir do assunto passam a falar sobre trivialidades.Desta forma, muitas vezes o analista nota que o paciente tem algo que não quer dizer, e que mantém por muito tempo, um segredo consciente. O motivo pelo qual detectado, que o paciente está a esconder algo, e de sempre apontar este fato, é que um determinado segredo, funciona como um ímã, para outros segredos, recordações, e impulsos, bloqueando o livre curso da análise.Quando o paciente contar o “segredo”, sentirá um alívio e quando perceber que a reação do analista, independente de qual tenha sido o fato, foi de total naturalidade, passa a contar coisas que eram difíceis de tocar. Logo, sempre devemos tratar o segredo confessado com muito respeito, naturalidade e que merece ser tratado normalmente. Depois de confessado ou analisamos como o paciente se sente ou analisamos o conteúdo do segredo.Os segredos geralmente têm conotação, vergonhosa e repugnante (no modo de ver do paciente), relacionados com secreção, excreção ou atividades sexuais, ou como já dito, de algo que o paciente ache que vai desabonar sua imagem perante o analista. A resistência pode ser consciente, pré-consciente ou inconsciente e pode ser expressa por meio de emoções, atitudes, idéias, impulsos, pensamentos, fantasias ou ações. A resistência em essência, uma força opositora no paciente, agindo contra o progresso da análise, contra o analista e contra os procedimentos e processos analíticos. Já em 1912 Freud havia reconhecido a importância da resistência ao afirmar: “A resistência acompanha o tratamento em todos os seus passos. Toda e qualquer associação, todo o ato da pessoa em tratamento deve contar com a resistência e ela representa um compromisso entre as forças que estão lutando pela recuperação e as forças opositoras”.5-FRAGMENTOS DA OBRA DE FREUD SOBRE RESISTÊNCIA.5.1- O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA RESISTÊNCIA.A resistência do paciente apresenta-se sob muitíssimos tipos, extremamente sutis e freqüentemente difíceis de detectar; e mostra mutações cambiantes nas formas em que se manifesta.No tratamento psicanalítico, fazemos uso da mesma técnica da interpretação de sonhos. Instruímos o paciente para se colocar em um estado de auto-observação tranqüila, irrefletida, e nos referir quaisquer percepções internas que venha a ter — sentimentos, pensamentos, lembranças — na ordem em que lhe ocorrem. Ao mesmo tempo, advertimo-lo expressamente a não deixar que algum motivo leve-o a fazer uma seleção entre essas associações ou a excluir alguma dentre elas, seja porque é muito desagradável ou muito indiscreta para ser dita, ou porque é muito banal ou irrelevante, ou que é absurda e não necessita ser dita. Sempre insistimos com o paciente para seguir apenas a superfície de sua consciência e pôr de lado toda crítica sobre aquilo que encontrar, qualquer que seja a forma que esta crítica possa assumir; e asseguramos-lhe que o sucesso do tratamento e, sobretudo sua duração, depende da conscienciosidade com que ele obedece a esta regra técnica fundamental da análise. Já sabemos, da técnica da interpretação de sonhos, que aquelas associações que originam as dúvidas e objeções, são justamente as que invariavelmente contêm o material que leva à descoberta do inconsciente. A primeira coisa que conseguimos ao estabelecer a regra técnica fundamental é que ela se transforma no alvo dos ataques da resistência. O paciente procura, por todos os meios, livrar-se das exigências desta regra. Num momento, declara que não lhe ocorre nenhuma idéia; no momento seguinte, que tantos pensamentos se acumulam dentro de si, que não pode apreender nenhum. Ora constatamos com desgostosa surpresa que o paciente cedeu primeiro a uma e, depois a mais outra objeção crítica, revelada pelas longas pausas que introduz em seus comentários. E logo depois, admite que existe algo que de fato não pode dizer, pois tem vergonha e permite que este motivo prevaleça sobre sua promessa. Ou diz que lhe ocorreu algo, mas que isto se refere a outra pessoa, e não a ele mesmo, e, em vista disso, não há por que referi-lo. Ou ainda, aquilo que agora lhe acudiu à mente é realmente sem importância, excessivamente tolo e sem sentido. E assim continua, com inumeráveis variações e apenas se pode replicar que ‘dizer tudo’ realmente significa ‘dizer tudo’. Dificilmente haver-se-á de encontrar um único paciente que não faça uma tentativa de reservar uma ou outra região para si próprio, de modo a evitar que o tratamento tenha acesso a ela. É uma regular tempestade em copo d’água. No entanto, o paciente está desejoso de argumentar; anseia fazer como que passemos a instruí-lo, ministrar-lhe ensinamentos, contradizê-lo, iniciá-lo na literatura, de modo que possa adquirir mais conhecimentos. Está muito disposto a tornar-se um adepto da psicanálise — com a condição de que a análise poupe a sua pessoa. Mas reconhecemos esta curiosidade como sendo resistência, como manobra tendente a nos desviar de nossas tarefas específicas, e repelimo-la. No caso de um paciente obsessivo, haveremos de esperar táticas de resistências especiais. Freqüentemente, permitirá que a análise prossiga sem empecilhos em seu caminho, de modo que ela possa esclarecer, cada vez melhor, o enigma de sua doença. Começamos a nos admirar, por fim, de este aclaramento não se acompanhar de nenhum efeito prático, nenhuma diminuição dos sintomas. Então conseguimos perceber que a resistência se refugiou dentro da dúvida, que é própria da neurose obsessiva. É como se o paciente dissesse: ‘Sim, está tudo muito bem, muito interessante, e terei muita satisfação em prosseguir ainda mais. Eu mudaria um bocado minha doença, se tudo isto fosse verdade. Mas não acredito, nem um pouco, que seja verdade; e, na medida em que não acredito, não faz qualquer diferença para minha doença.’ As coisas podem continuar assim por longo tempo, até que finalmente a pessoa enfrenta diretamente essa atitude de reserva, e então se fere a batalha decisiva. As resistências intelectuais não são as piores: sempre é possível superá-las. O paciente também sabe, contudo, como erguer resistência sem sair de esquema de referência da análise, e a superação desta situação está entre os problemas técnicos mais difíceis. Em vez de recordar, repete atitudes e impulsos emocionais o início de sua vida, que podem ser utilizados como resistência contra o psicanalista e tratamento, através do que se conhece como ‘transferência’. Se o paciente é um homem, geralmente extrai este material de sua relação com seu pai, em cujo lugar coloca o psicanalista, e dessa forma constrói resistências que surgem a partir de seu esforço de se tornar independente, em si próprio e em sua opinião, a partir de sua ambição, cujo objetivo primeiro consistia em fazer as coisas tão bem como seu pai, ou superá-lo; ou a partir de sua aversão a se endividar, pela segunda vez na vida, com uma carga de gratidão. Assim, às vezes, tem-se a impressão de que o paciente substitui inteiramente sua melhor intenção de pôr um fim à sua doença, pela intenção alternativa de negar que o psicanalista tenha razão, de fazer com que este reconheça sua impotência e de triunfar sobre ele. As mulheres têm um talento de mestre para explorar, na relação com o psicanalista, uma transferência afetuosa, com nuances eróticas, destinada à resistência. Se esta ligação atinge determinado nível, desaparece todo o seu interesse pela situação imediata do tratamento e todas as obrigações que assumiram no início; seu ciúme, que nunca está ausente, e sua irritação ante a inevitável rejeição, embora expressos respeitosamente, não podem deixar de ter como efeito um dano na harmonia entre paciente e analista, e assim inativam uma das mais poderosas forças motrizes da análise. Resistências deste tipo não devem ser condenadas apressadamente. Incluem tanto material importante do passado do paciente e trazem-no à lembrança de forma tão convincente, que elas se tornam os melhores suportes da análise, se uma técnica habilidosa soube dar-lhes o rumo apropriado.Também se pode dizer que aquilo que se mobiliza para lutar contra as modificações que nos esforçamos por efetivar, são traços de caráter, atitudes do ego. Com referências a este aspecto, descobrimos que esses traços de caráter foram formados em conexão com as causas da neurose e como reação contra as exigências desta; e encontramos traços que normalmente não conseguem emergir ou não podem emergir no mesmo grau, e que poderia descrever como latentes. Na verdade, chegamos a compreender, finalmente, que a superação dessas resistências constitui a função essencial da análise e é a única parte do nosso trabalho que nos dá a segurança de havermos conseguido algo com o paciente.Se refletirem também que o paciente transforma todos os eventos casuais, ocorrentes durante a análise, em interferências no tratamento; que ele utiliza, como motivos para afrouxar seus esforços, todo acontecimento perturbador externo à análise, todo comentário feito por uma pessoa ou autoridade, em seu ambiente, hostil à psicanálise, toda doença orgânica eventual ou tudo aquilo que complica sua neurose, e até mesmo, na verdade, toda melhora em seu estado — se considerarem tudo isto, terão obtido uma imagem aproximada, embora ainda incompleta, das formas e dos métodos da resistência; e a luta contra esta resistência faz parte de toda análise.Portanto, temos tido a possibilidade de nos convencer de que, em ocasiões incontáveis no decurso de sua análise, a mesma pessoa abandonará sua atitude crítica e depois a reassumirá. Se estivermos na iminência de trazer-lhe à consciência uma parcela de material inconsciente especialmente desagradável, a pessoa se torna extremamente crítica; pode ter empreendido e aceito muitas coisas previamente, agora, todavia, é simplesmente como se aquelas aquisições tivessem sido anuladas; em seu esforço de se opor, a todo custo, pode oferecer o quadro completo de um imbecil emocional. Se, contudo, conseguimos ajudá-la a superar essa nova resistência, ela recupera sua compreensão interna (insight) e entendimento. Sua faculdade crítica não é, assim, uma função independente a ser respeitada como tal, é o instrumento de suas atitudes emocionais e orienta-se segundo sua resistência. 5.2- RESISTÊNCIA – SINTOMAS E REPRESSÃO.O paciente luta contra a remoção de seus sintomas e o estabelecimento de seus processos mentais? Dizemos a nós mesmos que conseguimos descobrir, aqui, forças poderosas que se opõem a qualquer modificação na condição do paciente; devem ser as mesmas que, no passado, produziram esta condição. Durante a formação de seus sintomas, algo deve ter-se passado, que agora podemos reconstituir a partir de nossas experiências durante a resolução de seus sintomas. Através da observação de Breuer, que há uma precondição para a existência de um sintoma: algum processo mental deve não ter sido conduzido normalmente até seu objetivo normal — que era o objetivo de poder tornar-se consciente. O sintoma é o substituto daquilo que não aconteceu nesse ponto. Agora sabemos em que ponto deve localizar a ação da força que presumimos. Uma violenta oposição deve ter-se iniciado contra o acesso à consciência do processo mental censurável, e, por este motivo, ele permaneceu inconsciente. Por constituir algo inconsciente, teve o poder de construir um sintoma. Esta mesma oposição, durante o tratamento psicanalítico, se insurge, mais uma vez, contra nosso esforço de tornar consciente aquilo que é inconsciente. É isto o que percebemos como resistência. Propusemos dar ao processo patogênico, que é demonstrado pela resistência, o nome de repressão.Devemos, formar idéias mais definidas acerca do processo de repressão. Esta é a precondição da formação dos sintomas; também é, contudo, algo em relação ao qual não encontramos nada semelhante. Tomemos como nosso modelo um impulso, um processo mental que tenta transformar-se em ação. Sabemos que pode ser repelido por aquilo que denominamos rejeição ou condenação. Quando isto acontece, a energia à sua disposição é retirada dele; o impulso torna-se impotente, ainda que possa persistir como lembrança. Todo o processo de chegar a uma decisão referente ao mesmo segue seu curso no âmbito do conhecimento do ego. Passa-se algo muito diverso quando o mesmo impulso está sujeito à repressão. Nesse caso, ele conservaria sua energia e dele não restaria nenhuma recordação; além disso, o processo de repressão seria realizado sem ser percebido pelo ego.Se um processo permaneceu inconsciente, o fato de ser ele mantido afastado da consciência talvez possa ser apenas uma indicação de alguma vicissitude por que passou, e não a vicissitude mesma. A fim de formar uma imagem dessa vicissitude, suponhamos que todo processo mental — devemos admitir uma exceção que mencionaremos numa fase posterior — exista, inicialmente, em um estádio ou fase inconsciente, e que é somente dali que o processo se transporta para a fase consciente, da mesma forma como uma imagem fotográfica começa como negativo e só se torna fotografia após haver-se transformado em positivo. Nem todo negativo transforma-se, contudo, necessariamente em positivo; e não é necessário que todo processo mental inconsciente venha a se tornar consciente.Para qualquer impulso, porém, a vicissitude da repressão consiste em o guarda não lhe permitir passar do sistema do inconsciente para o do pré-consciente. Trata-se do mesmo guarda que vimos a conhecer como resistência, quando tentamos suprimir a repressão por meio do tratamento analítico. O sintoma é um substituto de algo que foi afastado pela repressão. Ao investigar a resistência, constatamos que ela emana de forças do ego, de traços de caráter conhecido e latente. São estes, pois, os responsáveis pela repressão, ou, pelo menos, têm uma participação nela. Os sintomas podem ser adequadamente visualizados, como satisfações substitutivas daquilo que se perde na vida. Sem dúvida, pode-se ainda levantar toda classe de objeções à asserção de que os sintomas neuróticos são substitutos de satisfações sexuais. Em psicanálise, os contrários não importam em contradição. Poderíamos ampliar nossa tese e dizer que os sintomas objetivam ou uma satisfação sexual ou o rechaço da mesma, e que, na totalidade, o caráter positivo de realização de desejo prevalece na histeria e o negativo, ascético, na neurose obsessiva. Se os sintomas podem servir tanto à satisfação sexual como ao seu oposto. 5.3- RESISTÊNCIA E ANTICATEXIA.Importante elemento da teoria da repressão é a opinião de que a repressão não é um fato que ocorre uma vez, mas que exige um dispêndio permanente de energia. Se esse dispêndio viesse a cessar, o impulso reprimido, que está sendo alimentado todo o tempo a partir de suas fontes, na ocasião seguinte fluiria pelos canais dos quais havia sido expulso, e a repressão ou falharia em sua finalidade ou teria de ser repetida um número indefinido de vezes. Assim, é porque os instintos são contínuos em sua natureza que o ego tem de tornar segura sua ação defensiva por um dispêndio permanente de energia. Essa ação empreendida para proteger a repressão é observável no tratamento analítico como resistência. A resistência pressupõe a existência da anticatexia. Uma anticatexia dessa espécie é claramente observada na neurose obsessiva. Ela aparece ali sob a forma de uma alteração do ego, como uma formação reativa no ego, e é efetuada pelo reforço da atitude que é o oposto da tendência instintual que tem de ser reprimida — como, por exemplo, na piedade, na consciência e no asseio. Essas formações reativas de neurose obsessiva são essencialmente exageros dos traços normais do caráter que se desenvolvem durante o período de latência. A presença de uma anticatexia na histeria é muito mais difícil de detectar, embora teoricamente seja igualmente indispensável. Na histeria, também, uma quantidade de alteração do ego através da formação reativa é inegável e em algumas circunstâncias se torna tão acentuada que se força à nossa atenção como o principal sintoma. O conflito devido à ambivalência, por exemplo, é transformado em histeria por esse meio. O ódio do paciente por uma pessoa a quem ele ama é mantido em baixo nível por uma quantidade reduzida de ternura e apreensão da parte dela. Mas a diferença entre as formações reativas na neurose obsessiva e na histeria é que na segunda não têm a universidade de um traço de caráter, mas estão confinadas a relações específicas. Uma histérica, por exemplo, pode ser especialmente afetuosa com seus próprios filhos, os quais no fundo ela odeia; mas por causa disso ela não será mais amorosa, em geral, do que outras mulheres ou mais afetuosa para com outras crianças. A formação reativa da histeria apega-se tenazmente a um objeto específico e jamais se difunde por uma disposição geral do ego, ao passo que o que é característico da neurose obsessiva é precisamente uma difusão dessa espécie — um afrouxamento de relações na escolha de objeto.Há outra espécie de anticatexia, contudo, que parece mais adequada ao caráter peculiar da histeria. Um impulso instintual reprimido pode ser ativado (novamente catexizado) a partir de duas direções: de dentro, através de reforço de suas fontes internas de excitação, e de fora, através da percepção de um objeto que ele deseja. A anticatexia histérica é principalmente dirigida para fora, contra percepções perigosas. Assume a forma de uma espécie especial de vigilância que, por meio de restrições do ego, causa situações a serem evitadas que ocasionariam tais percepções, ou, se de fato ocorrerem consegue afastar delas a atenção do paciente. A resistência tem de ser superada na análise provém do ego, que se apega a suas anticatexias. É difícil para o ego dirigir sua atenção para percepções e idéias que ele então estabeleceu como norma evitar, ou reconhecer como pertencendo a si próprio, impulsos que são o oposto completo daqueles que ele conhece como seus próprios. Nossa luta contra a resistência na análise baseia-se nesse ponto de vista dos fatos. Se a resistência for ela mesma inconsciente, como tão amiúde, acontece devido à sua ligação com o material reprimido, nós a tornamos consciente. Se for consciente, ou quando se tiver tornado consciente, apresentamos argumentos lógicos contra ela; prometemos ao ego recompensas e vantagens se ele abandonar sua resistência. Não pode haver nenhuma dúvida ou erro sobre a existência dessa resistência por parte do ego. Mas temos de perguntar a nós mesmos se ela abrange todo o estado de coisas na análise, pois verificamos que mesmo após o ego haver resolvido abandonar suas resistências ele ainda tem dificuldades em desfazer as repressões; e denominamos o período de ardoroso esforço que se segue, depois de sua louvável decisão, de fase de ‘elaboração’. O fator dinâmico que torna uma elaboração desse tipo necessária e abrangente não está longe para se procurar. Pode ser que depois de a resistência do ego ter sido removida, o poder da compulsão à repetição — a atração exercida pelos protótipos inconscientes sobre o processo instintual reprimido — ainda tenha de ser superado. Nada há a dizer contra descrever esse fator como a resistência do inconsciente. Não há qualquer necessidade de se ficar desestimulado por causa dessas correções. Devem ser bem escolhidas se acrescentarem algo ao nosso conhecimento, e não constituem vergonha alguma para nós, na medida em que antes enriquecem do que invalidam nossos pontos de vista anteriores — limitando algum enunciado, talvez, que era por demais geral ou ampliando alguma idéia que foi muito estreitamente formulada.6- UMA VISÃO KLEINIANA SOBRE RESISTÊNCIA.Klein descreveu a resistência na análise como sendo a manifestação de uma transferência negativa. Em contraste, a psicanálise clássica considerava a resistência como uma repressão da libido. Trata-se de uma diferença decisiva, que dá origem a tipos de interpretação radicalmente diferentes e expectativas de eficácia terapêutica também radicalmente diferente. Na opinião de Klein, a resistência apresentava-se como uma forma de evitar o relacionamento com ela própria ou como uma forma de evitar os jogos com brinquedos:“Minha experiência confirmou minha crença de que, se construo a antipatia, imediatamente como ansiedade e sentimento transferencial negativo e a interpreto como tal em conexão com o material que a criança ao mesmo tempo produz, remontando-o depois de volta ao seu objeto original, qual seja, a mãe, posso imediatamente observar que a ansiedade diminui. Isto se manifesta pelo começo de uma transferência mais positiva e, com esta, de um brincar mais vigoroso. Pela resolução de alguma parte da transferência negativa, obteremos então, tal como acontece com os adultos, um aumento da transferência positiva e esta, de acordo com a ambivalência da infância, será em breve, por sua vez, sucedida por uma reemergência da negativa”. (Klein, 1927). Interpretações desse tipo eram “contra a prática costumeira” (Klein – 1955) e ela entrou em disputa com Anna Freud a respeito do manejo da resistência e da transferência negativa.Klein estudou as inibições no brincar com grandes detalhes e deu-se conta do impacto enorme dos sentimentos agressivos no desenvolvimento da simbolização e, portanto, na totalidade do funcionamento intelectual. Klein demonstrou que o brincar era tão simbólico quanto as palavras, ainda que envolvesse descarga muscular. Dessa maneira, a fantasia não era necessariamente um método de descarga alternativo à ação corporal, como Freud contentara-se em deixá-la ser, mas concomitante profundamente importante, senão a mola mestra, da descarga física de energia. A formação de símbolos é um recurso primário na expressão, tanto interna quanto externa da atividade inconsciente da fantasia, em qualquer momento determinado. A externalização destas fantasias no brincar simbólico e na personificação é impulsada pela necessidade de colocar a certa distância estados internos de perseguição. Klein estava demonstrando, portanto, que os símbolos, como substitutos, constituem uma estratégia defensiva, e que a análise do processo de simbolização é uma análise das defesas.Mediante sua compreensão da personificação dos objetos internos e, eventualmente de partes do ego (identificação projetiva), percebeu que estava lidando com o tipo de defensividade que é adotado pelos psicóticos. A resistência psicótica é um ataque à capacidade que tem a mente de pensar e conhecer (a pulsão epistemofílica), mencionado por Bion (1959) como “ataques aos elos de ligação”. Na teoria da esquizofrenia de Bion, ele descreveu os ataques ao próprio ego, que representavam as experiências que Klein (1946) encarava com sendo os efeitos da pulsão de morte agindo dentro –a sensação de estar-se despedaçando. Bion descreveu particularmente um ataque à percepção da realidade interna. A resistência, igualada à transferência negativa, representava uma manifestação clínica da pulsão de morte. Freud pouco depois da Primeira Guerra Mundial (1920) admitiu a existência da agressão. O conceito veio a mais ou menos se fundir com o de reação terapêutica negativa. A presunção geral tem sido de que, por correta que tenha sido a interpretação que provocou uma reação negativa no paciente, tem de haver uma “mais correta”, que entenderia esta reação negativa. Klein foi das primeiras entre os que consideraram a agressão como sendo pulsional. Entretanto, por enfatizar as fantasias inconscientes, apoiava a visão de Freud de que as pulsões nos seres humanos são extraordinariamente maleáveis. Klein achava que a inevitabilidade da agressão em si não era otimista nem pessimista; cada indivíduo se empenha em sua própria luta pessoal contra seus próprios impulsos agressivos. Freud deu-se conta, para sua consternação, que havia alguns pacientes que reagiam mal às interpretações analíticas: ficavam piores com interpretações boas, antes que melhores. Ele ficou afrontado pelo hábito do “Homem dos Lobos” de produzir “reações negativas” transitórias; todas as vezes que algo havia sido conclusivamente esclarecido, ele tentava contradizer o efeito.(Freud-1917). Várias tentativas foram feitas para compreender a reação:a) Culpa: Freud atribuiu-a à culpa, especialmente à culpa inconsciente, que leva a uma necessidade de punição; o paciente alcança esse castigo sob a forma de padecer de má saúde. b) Pulsão de morte: Em 1924, Freud especulou sobre o papel da pulsão de morte na reação terapêutica negativa.c) Posição depressiva: Riviere (1936) tirou algumas conclusões à luz da posição depressiva de Klein, as quais mostravam a importância das relações objetais envolvidas na culpa inconsciente: um medo de ser responsável pelo dano ou pela morte do objeto bom, especialmente do objeto bom internalizado. Apontou ela que se interpretar a um paciente culpado o que se acha errado com ele, isso o fará sentir-se mais culpado ainda, por estar dessa maneira errado. Advogou ela o equilíbrio entre interpretações das partes más do sel e interpretações das partes boas, ponto de vista endossado por Rosenfeld (1987).d) Inveja: No mesmo ano (1936), Horney argumentou que a reação terapêutica negativa resultava da inveja do analista, isto é, de um desejo de estragar o trabalho deste último. Sob muitos aspectos, isto remonta a um breve artigo da autoria de Abraham (1919), a respeito de pacientes que não podem suportar o trabalho bem-sucedido do analista.7- UM OUTRO VIÉS SOBRE RESISTÊNCIA - DE FREUD A LACAN.Freud escreveu que “A constituição psíquica de um homem que reflete é muito diferente daquela de um homem que observa suas próprias reflexões. Há concentração nos dois casos, mas na reflexão há algo mais: uma crítica. Essa crítica faz eliminar uma parte das idéias surgidas após apercepção. Ela interrompe outras no meio do caminho, impede a passagem; outras, enfim, não chegam nem mesmo a ultrapassar o limite da consciência; elas são recalcadas antes da percepção”. A atitude crítica aparece assim na análise, como uma barreira; ela cessa então, por conseguinte, quando ela for analisada como uma resistência.Se for verdade que o conceito de resistência à análise não pode se unificar, por razões não acidentais ou não contingentes, então o conceito de análise e de análise psicanalítica, o conceito mesmo de a psicanálise terá conhecido o mesmo destino. Só podendo ser determinada, pode-se dizer, na adversidade e com relação àquilo que lhe resiste, a psicanálise não se reunirá nunca na unidade de um conceito ou de uma tarefa. Se não há uma resistência, não há a psicanálise - que se a entenda aqui como um sistema de normas teóricas ou como estatuto das práticas institucionais.Toda resistência supõe uma tensão, e primeiramente uma tensão interna. Mas uma tensão puramente interna sendo impossível trata-se de uma inerência absoluta do outro ou de fora do coração da tensão interna e auto-afetiva. O double bind é [...] o que não dá lugar, enquanto tal, nem à análise nem à síntese, nem à analítica nem à dialética. Ele provoca ao infinito a analítica e a dialética, mas é para lhes resistir absolutamente. Na segunda necessidade devemos, segundo ele, pensar essa resistência como restância [restance] do resto, isto é, de maneira não simplesmente ontológica (nem analítica, nem dialética), pois a restância [restance] do resto não é psicanalítica. A personalidade analisada não é somente o lugar de um segredo, - o segredo do inconsciente; ela é agora percebida como um conjunto que visa a defender o acesso a esse segredo. Esta defesa, isto é, o recalque e sua tradução, a resistência, é um novo segredo. É um mecanismo inconsciente. - A regra fundamental da psicanálise encontra na teoria da resistência seu complemento indispensável e sua verdadeira justificativa. Ao mesmo tempo, a regra fundamental torna-se o instrumento analisador não mais somente de uma investigação clínica, mas ainda de uma dinâmica que se dispõe a tratar o indivíduo, desta vez, não mais somente descobrindo o segredo de sua doença, mas atacando o centro dinâmico de seus conflitos.Lacan dedica a primeira parte de seu seminário 1, Os Escritos Técnicos de Freud, para discutir a questão das resistências. Lacan diz que não pode haver uma "two-body's psychology", ou seja, uma relação analítica sem a intervenção de um terceiro elemento. Esse terceiro elemento é a fala, a linguagem. Sabemos que um analista pode fazer uma interpretação corretíssima e não obter nenhuma resposta se fez esta comunicação num momento inoportuno. Freud percebe, desde o momento em que abandona a hipnose, que alguma coisa no paciente resistia a essa reintegração do passado. É importante, no entanto, compreender que esta reintegração não tem o sentido de revivência ou rememoração. Reintegrar é tomar de volta aquilo que se dispersou. É fazer voltar ao todo as partes que se desligaram. Esse retorno dos elementos inconscientes ao todo da consciência não se opera por simples rememoração. Além disso, em textos iniciais de Freud aparece a idéia de que a análise irá "tornar consciente o que é inconsciente", idéia que não se sustenta posteriormente, quando o inconsciente ganha o estatuto de sistema psíquico, fazendo parte, portanto, de nossa estrutura. Lacan também relê os Estudos sobre a Histeria, primeiro trabalho de Freud que tenta dar conta de uma clínica. Neste texto, Lacan encontra a noção de que a resistência provém do núcleo do recalcado. Haveria uma força de repulsão que se exerce a partir do núcleo do recalcado. Quanto mais nos aproximamos deste núcleo, maior a resistência. Este pensamento faz parte de uma idéia inicial de Freud, que supunha que o inconsciente resiste. No entanto, posteriormente, ele afirma que o inconsciente insiste, na tentativa de se fazer consciente. A resistência provém de outro lugar que, embora não pertença ao sistema inconsciente, também pode ser definido enquanto tal, pois é a parte inconsciente do eu. Ao discutirmos a questão da resistência, aparece também a dúvida sobre o que seria a contratransferência, tema controvertido da psicanálise. Lacan acaba por defini-la como "a função do ego do analista (...) a soma dos preconceitos do analista”. Ao discutir mais longamente sobre a técnica, e também ao elaborar sua teoria dos quatro discursos (seminário 17), Lacan vai definir a posição do analista como sendo a de objeto. Ali, durante a situação analítica, o analista não é nem sujeito, nem eu, é objeto. Contratransferência seria colocar o eu nessa relação, com seus preconceitos e com sua demanda de amor. Por causa disso, não podemos falar que a análise é uma relação de eu a eu (ego a ego), até porque estão presente ali sujeito e objeto, e também a linguagem. Freud nos diz que quando o paciente se cala é, provavelmente, porque lhe ocorre algum pensamento que tem a ver com o analista. Lacan nos aconselha a não fazer perguntas do tipo: você tem alguma idéia que tem a ver comigo? Isto direciona a atenção do paciente e impede o surgimento de algo mais puro. Lacan diz que, neste momento, o paciente pode, de repente, "realizar a presença do analista". É um fenômeno em que o paciente, de repente, percebe que existe ali um outro que o escuta. Lacan acentua o fato de que não podemos colocar a resistência apenas como uma das defesas psíquicas. Ela é, acima de tudo, um fenômeno localizado na experiência analítica. No movimento de revelação do sujeito, aparece a resistência. Se esta resistência for muito forte, surge a transferência. Portanto, a transferência na análise exerce uma função específica. Ela faz com que o inconsciente do paciente se atualize na pessoa do analista. Ao reportar suas associações mais recalcadas à pessoa do analista, o paciente está atualizando o seu inconsciente. Lacan diz que a palavra recalcada é uma "palavra verídica". É a palavra como revelação. "A resistência se produz no momento em que a palavra como revelação não se diz e o sujeito não tem mais saída”. Lacan conclui falando sobre a paradoxal posição do analista, que deve intervir no discurso do sujeito, enunciando ele uma palavra plena ou uma palavra vazia. No caso da palavra vazia, é preciso tentar extrair dela o que há de verídico. No entanto, quando a palavra verídica surge, não é mais do que por um momento. O eu (que é gestaltista, pois se constitui a partir de uma imagem, de uma boa forma), vai tentar tapar este buraco de abertura para o inconsciente, restaurando sua forma anterior. É preciso que o analista aponte esta palavra verdadeira para que o analisando possa continuar elaborando aquilo que surgiu. São duas funções da palavra que aparecem na análise e que se contrapõem, a palavra vazia que tem sua função de comunicação entre o eu e o outro e a palavra verídica, que é a fala do sujeito. O eu, em sua relação com o outro, é portador desta palavra vazia sendo que, na análise, sua função é a do desconhecimento. Não há possibilidade de êxito quando se comunica ao eu do paciente aquilo que ainda está sob forte resistência. O único caminho possível é seguir pelas trilhas das associações, para que o sujeito possa se manifestar.
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Biografia de Melanie Klein



Há mais de cem anos, em 30 de março de 1882, nasceu em Viena Melanie née Reizes (1882-1960), futura Melanie Klein, psicanalista britânica de origem austríaca. Seu pai, Moritz Reizes, era um médico judeu polonês, originário de Lemberg, na Galícia, que se tornou clínico geral graças a uma ruptura com pais tradicionalistas. Sua mãe , judia eslovaca brilhante, dedica-se, por necessidades familiares, ao comércio de plantas e répteis, cuja família, erudita e culta, era dominada por uma linhagem de mulheres. Melanie Klein, pouco desejada, foi a quarta entre os filhos desse casal que não se entendia. Quando, por sua vez, se tornou mãe, também sofreria em sua vida particular as intrusões de sua mãe, Libussa, personalidade tirânica, possessiva e destruidora. A juventude de Melanie foi marcada por uma série de lutos, muitos provavelmente responsáveis pela culpa, cujos vestígios se encontram em sua obra teórica.Tinha quatro anos quando sua irmã Sidonie morreu de tuberculose com a idade de 8 anos; tinha 18 quando o pai, debilitado há longos anos, morreu, deixando-a com a mãe; tinha 20 quando seu irmão Emmanuel, que a influenciara muito e a quem estava ligada por uma relação de tons incestuosos, morreu esgotado pela doença, pelas drogas e pelo desespero. Phyllis Grosskurth observou que Melanie se casou pouco depois desse falecimento, pelo qual se sentia culpada, o que, acrescentou, “provavelmente tinha sido o objetivo perseguido por Emmanuel”.Klein estudou de início arte e história na Universidade de Viena, porém as dificuldades econômicas que se seguiram à morte do pai parecem ter sido a causa de sua renúncia aos estudos de medicina, que ela decidira empreender com o objetivo de ser psiquiatra. Essas mesmas dificuldades explicariam igualmente seu casamento precipitado, em 1903, com Arthur Klein, engenheiro químico de caráter sombrio, que ela conhecera dois anos antes, que por força de suas atividades profissionais era obrigado a muitos deslocamentos o que possibilitou a Melanie aprender muitas línguas estrangeiras e do qual se divorciaria em 1926. Em 1910, por insistência de Melanie, cronicamente deprimida, o casal, cujo desentendimento era alimentado pelas incessantes intervenções de Libussa, se fixou em Budapeste. Em 1914, sua mãe morreu e nasceu seu terceiro filho, Erich Klein (futuro Eric Clyne), que ela analisaria, como Hans e Melitta, o irmão e a irmã mais novos. Mas esse ano de 1914 foi também o de sua primeira leitura de um texto de Sigmund Freud, “Sobre os sonhos”, e do início de sua análise com Sandor Ferenczi. Essa análise foi interrompida devido à guerra. Ela recomeça, em 1924, mas em Berlim, com K.Abraham, que morreria no ano seguinte. A análise é concluída em Londres, com S.Payne. Melanie Klein logo começou a participar das atividades da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, da qual se tornou membro em 1919. Antes, em 28 e 29 de setembro de 1918, sob a presidência de Karl Abraham, o V Congresso da International Psychoanalytical Association (IPA) se realizou nessa cidade, que Freud considerava como o centro do movimento psicanalítico. Era a primeira vez que Melanie Klein via Freud. Escutou-o ler, na tribuna, sua comunicação “Os novos caminhos da terapêutica psicanalítica” e, fortemente impressionada, tomou consciência de seu desejo de se consagrar à psicanálise. Em julho de 1919, levada por Ferenczi, apresentou, diante da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, seu primeiro estudo de caso, dedicado à análise de uma criança de cinco anos, que na realidade era o seu próprio filho Erich. Uma versão reformulada dessa intervenção, na qual ela dissimulou a identidade do jovem paciente chamando-o de Fritz, constituiu seu primeiro escrito, publicado no “Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse”. Um ano depois, uma terceira versão desse trabalho apareceu em “Imago”: “A criança de que se trata, Fritz, escreveu ela, é um menino cujos pais, que são de minha família, habitam na minha vizinhança imediata. Isso permitiu encontrar-me muitas vezes, e sem nenhuma restrição, com a criança. Além do mais, como a mãe segue todas as minhas recomendações, posso exercer uma grande influência sobre a educação de seu filho.”O terror branco e a onda de anti-semitismo que assolava Budapeste depois do fracasso da ditadura comunista de Bela Kun (1886-1937) obrigaram os Klein a deixar a capital e a exilar-se. Em 1920, Melanie Klein participou em Haia do Congresso Internacional da IPA. Ali, encontrou Hermine von Hug-Hellmuth e principalmente, graças à recomendação de Ferenczi, Karl Abraham. Este acabava de fundar, com a ajuda de Max Eitingon, a famosa policlínica do Berliner Psychoanalytisches Institut (BPI), onde eram acolhidos muitos pacientes traumatizados pela guerra. Atraída pela personalidade de Abraham e pela vitalidade do grupo de analistas que o cercava, Melanie Klein se instalou, em 1921, na capital alemã. Um ano depois, tornou-se membro da Deutsche Psychoanalytische Gesellschaft (DPG) e, em setembro de 1922, assistiu ao VII Congresso da IPA, durante o qual participou das primeiras discussões sobre a questão da sexualidade feminina, depois da contestação das teses freudianas por Karen Horney.No congresso psicanalítico de Haia, em 1920, conheceu Abraham, que a convidou a se mudar para Berlim, onde ela se instalou como psicanalista, continuando com ele sua análise pessoal. Quando Abraham morreu, Melanie Klein deixou Berlim, cujo meio psicanalítico aderia às idéias da Anna Freud, julgando as suas pouco ortodoxas. Em 1925, no congresso de Salzburgo, leu seu primeiro artigo sobre a técnica da análise de crianças. Impressionado com esse trabalho, Jones a convidou para dar conferências na Inglaterra, país onde Melanie Klein se instalou definitivamente em 1926. Em 1922 se divorciara do marido, de que já estava separada havia algum tempo.No começo de 1924, Melanie Klein começou uma segunda análise, com Karl Abraham, de quem adotaria algumas idéias para desenvolver suas próprias perspectivas sobre a organização do desenvolvimento sexual. Em abril, no VIII Congresso da IPA em Salzburgo, apresentou uma comunicação altamente controvertida sobre a psicanálise da crianças pequenas, na qual começava a questionar certos aspectos do complexo de Édipo. Foi apoiada por Abraham e também por Ernest Jones, que seduzido por esse discurso contestatário, até interviria junto a Freud para que este aceitasse levar em consideração essas declarações heréticas. Em 17 de dezembro do mesmo ano, Melanie foi a Viena para fazer uma comunicação sobre a psicanálise de crianças na Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), e nessa ocasião confrontou-se diretamente com Anna Freud. O debate estava então aberto, e trataria do que “devia” ser a psicanálise de crianças: uma forma nova e aperfeiçoada de pedagogia (posição defendida por Anna Freud) ou a oportunidade de uma exploração psicanalítica do funcionamento psíquico desde o nascimento (como queria Melanie Klein)?Em Berlim, Melanie fez amizade com Alix Strachey, também analisanda de Abraham. Com a ajuda do marido, James Strachey, que estava em Londres, Alix introduziu Melanie na British Psychoanalytical Society (BPS). Graças também ao apoio de Ernest Jones, fez uma série de conferências em Londres, em julho de 1925. Essa permanência na Inglaterra a encantou, a ponto de despertar nela o desejo de se estabelecer além-Mancha, o que se realizaria mais cedo do que ela imaginava em virtude da morte de Karl Abraham em dezembro de 1925. A pedido de Jones, que a convidou a passar um ano na Inglaterra, Melanie Klein deixou Berlim em setembro de 1926. Sua instalação em Londres marcou efetivamente a abertura das hostilidades entre a escola vienense e a escola inglesa: quaisquer que fossem os esforços de Jones para convence-lo de que as teses kleinianas se inscreviam na lógica das suas, Freud, desejando apoiar Anna, manifestaria um descontentamento crescente.Em Londres, Melanie Klein experimentou suas teorias, tratando filhos perturbados de alguns de seus colegas: o filho e a filha de Jones, por exemplo. Sua personalidade invasiva provocou à sua volta paixões e repulsas. Em março de 1927, Anna Freud fez uma comunicação ao grupo berlinense da DPG. Na verdade, tratava-se de um verdadeiro ataque contra as teses kleinianas em matéria de análise de crianças. Houve críticas e Freud irritou-se. A discordância entre ambas não parava de crescer, referindo-se especialmente à oportunidade da análise de crianças: parte integrante da educação geral de toda criança, afirmava Melanie Klein; necessária apenas quando a neurose se manifesta, replicava Anna, que circunscrevia a análise de crianças apenas à expressão do mal-estar parental, enquanto Melanie autonomizava a criança, tanto em sua demanda quanto no tratamento.Em setembro de 1927, durante o X Congresso Internacional em Innsbruck, o conflito se ampliou: Klein apresentou uma comunicação, “Os estádios precoces do conflito edipiano”, na qual expunha explicitamente suas discordâncias com Freud sobre a datação do complexo de Édipo, sobre seus elementos constitutivos e sobre o desenvolvimento psicossexual diferenciado dos meninos e das meninas. Em outubro de 1927, apoiada pela renovada confiança de Jones, Melanie foi eleita para a BPS.As idéias de Melanie Klein suscitaram fortes oposições, que tomaram uma amplitude considerável com a chegada na Inglaterra dos psicanalistas expulsos pelo nazismo, entre os quais A. Freud e E. Glover, que consideravam suas idéias meta psicológicas uma heresia idêntica às de Jung e Rank.Em janeiro de 1929, começou a tratar de uma criança autista de quatro anos, filha de um dos seus colegas da BPS, à qual deu o nome de Dick. Logo percebeu que ele apresentava sintomas que ela nunca havia encontrado. Não expressava nenhuma emoção, nenhum apego, e não se interessava pelos brinquedos. Para entrar em contato com ele, colocou dois trenzinhos lado a lado e designou o maior como “trem papai” e o menor como “trem Dick”. Dick fez o tem com o seu nome andar e disse a Melanie: “Corta!”. Ela desengatou o vagão de carvão e o menino guardou então o brinquedo quebrado em uma gaveta, exclamando : “Acabou!”. A história desse caso se tornaria célebre, por mostrar como alguns psicanalistas não conseguem dar aos filhos o amor que esperam deles.Dick continuou a análise com Melanie Klein até 1946, com uma interrupção durante a Segunda Guerra Mundial. Quando Phyllis Grosskurth se encontrou com ele, então com cerca de 50 anos, não tinha mais nada a ver com o menino fechado de outrora. Era até francamente tagarela.Em 1932, Melanie Klein publicou sua primeira obra síntese, “A psicanálise de crianças”, na qual expunha a estrutura de seus futuros desenvolvimentos teóricos, sobretudo o conceito de posição (posição esquizo-paranóide/posição depressiva), assim como sua concepção ampliada da pulsão de morte. Mas, nesse mesmo ano, que inaugurou um aparente período de calma institucional para ela, sua vida particular foi perturbada por conflitos que teriam, alguns anos depois, pesadas repercussões em sua vida profissional. Sua filha Melitta Schmideberg, casada com Walter Schmideberg, amigo da família Freud e de Ferenczi, tornou-se analista. Sem perceber, Melanie repetiu com sua filha o comportamento que Libussa tivera com ela. Foi por ocasião de uma retomada da análise com Edward Glover que Melitta se afastou de Melanie. Logo seria publicamente apoiada em sua atitude por seu analista, que não hesitou em manipular as tensões familiares para reforçar suas próprias posições teóricas diante de Melanie.A partir de 1933, Melanie Klein, que sofria os ataques incessantes de Glover e de Melitta, via com terror a chegada a Londres dos analistas vienenses e berlinenses que fugiam do nazismo. Confidenciou a Donald Woods Winnicott que pressentia, na instalação desses refugiados que lhe eram na maioria hostis, a iminência de um “desastre”. Alguns meses depois da chegada dos Freud a Londres, as hostilidades irromperam efetivamente. Em julho de 1942, a tensão no seio da BPS atingiu um ponto crítico. Enquanto Londres era bombardeada, tomava-se a decisão de fazer reuniões para discutir os pontos de discordância científicos e clínicos. Assim começou o período das Grandes Controvérsias, inaugurado por um ataque violento de Edward Glover contra a teoria e a prática dos kleinianos. Ernest Jones, em quem Melanie Klein acreditava ter um fiel aliado, saía freqüentemente dessa cena, cujos atores eram essencialmente mulheres, umas reunidas em torno de Melanie, outras em torno de Anna Freud. Os confrontos assumiram tal intensidade que Donald Wood Winnicott, partidário de Melanie, interrompeu uma noite os debates para observar que um ataque aéreo estava ocorrendo e era urgente procurar abrigo.Em novembro de 1946, depois de intermináveis negociações, marcadas principalmente pela demissão de Edward Glover, um “laady’s agreement” se produziu – mas que nem sempre foi respeitado-, resultando na institucionalização de uma divisão da BPS entre kleinianos, annafreudianos e independentes.Em 1995, Melanie Klein, que nada perdera de seu dinamismo e de sua agressividade, interveio de maneira esmagadora no Congresso da IPA em Genebra, apresentando uma comunicação intitulada “Um estudo sobre a inveja e a gratidão”, na qual desenvolvia o conceito de inveja, que articulava com uma extensão da pulsão de morte, à qual dava um fundamento constitucional. Ao fazer isso, reatava com aquele que sempre considerara o seu mestre, Karl Abraham. Melanie Klein acabava assim de dar partida a uma nova controvérsia, que, se não teve a amplitude das precedentes, a levou à ruptura com Winnicott e com Paula Heimann, que fora a mais inteligente e a mais ardorosa dos adversários de Glover em 1943.Nunca tendo se reconciliado com sua filha Melitta, deixando inacabada uma autobiografia parcelar e seletiva, Melanie Klein morreu de câncer do cólon em Londres, a 22 de setembro de 1960.Diferentemente de A. Freud, Melanie Klein considerava o brincar como um material suscetível de interpretação no quadro da situação transferencial. As brincadeiras eram a seu ver equivalentes às fantasias, dando acesso à sexualidade infantil e à agressividade: em torno delas podia se instaurar uma relação transferencial-contratrasferencial entre a criança e o analista.Melanie Klein conferiu lugar capital à pulsão de morte, conceito que no entanto estava longe de gozar de unanimidade no seio do mundo psicanalítico. Radicalizando a posição de Freud, fez da angústia a conseqüência direta da ação da pulsão de morte no seio do organismo. Essas considerações estavam também presentes em sua concepção das fases ou posições por que a criança passava: a posição esquizoparanóide, que traduziria o modo de relação dos quatro primeiros meses da existência, seria caracterizada por uma união entre as pulsões sexuais e as pulsões agressivas, por um objeto vivido como parcial e clivado em “bom” (gratificador) e “mau” (frustrador). “Na posição paranóide-esquizóide” , escreve Hana Segal, “a angústia dominante provém do temor de que o objeto ou os objetos persecutórios penetrem no eu, esmagando ou aniquilando o objeto ideal e o “self”. Dois mecanismos psíquicos seriam dominantes nessa fase: a introjeção e a projeção. Instalando-se por volta dos quatro meses, a posição depressiva se seguiria à posição paranóide, sendo por sua vez superada por volta do final do primeiro ano. O objeto já não é parcial, podendo ser apreendido pela criança como total, a clivagem “bom”-“mau” já não é tão categórica como outrora, a angústia é de natureza depressiva e está ligada ao temor de perder e de destruir a mãe. Em face de suas angústias, a criança desenvolve vários tipos de defesa e de atividades reparatórias, que constituem a primeira fonte da criatividade e da sublimação. A posição esquizoparanóide e a posição depressiva voltam a se fazer presentes posteriormente na vida, em especial no adulto acometido de paranóia, de esquizofrenia ou de estados depressivos.A Grã-Bretanha, sua última pátria, conforme mencionamos acima, acolheu-a em 1922. A partir desse momento, e durante trinta e quatro anos, a vida de Melanie Klein foi completamente ligada à psicanálise, às atividades da Sociedade Britânica e ao movimento internacional. Em 1960, às vésperas da morte, ela ainda estava dando instruções sobre seu último manuscrito e aos alunos que tinha em formação. Estava com 78 anos.Somente os netos conseguiram realmente distrair Melanie Klein da parcela de desumanidade- de genialidade, diriam outros- que ela reconhecia ter em si. Virginia Woolf deixou em seu “Diário” um retrato de Melanie Klein que permite entrever sua força, de outro modo silenciosa e invisível: ela era “uma mulher de caráter, com uma espécie de força meio oculta- como direi ?-, não uma astúcia, mas uma sutileza, alguma coisa trabalhando por baixo. Uma tração, uma torsão, como uma vaga sísmica: ameaçadora. Uma mulher encancida e brusca, com grandes olhos claros e imaginativos”.
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Biografia de Jacques Lacan


Jacques-Marie-Émile Lacan, nasceu em Pariss, em 13 de abril de 1901, em uma família burguesa de origem provinciana cuja origem paterna é de fabricantes de vinagres de Orléans (os Dessaux), e de sólida tradição católica. Lacan perdeu a fé no final dos anos 20, esse foi o clímax de uma verdadeira interrogação. Como se fizera com seus outros irmãos, acrescentou-se ao seu nome o da Virgem Maria. Progressivamente, renunciaria a esse nome, nos diversos textos escritos no período entre-guerras. Seu pai, Alfred Lacan (1873-1960) era um homem fraco e trabalhava como representante comercial da empresa de vinagres, esmagado pelo poder de seu próprio pai, Émile Lacan (1839-1915). Quanto à sua mãe, Émilie Baudry (1876-1948), mais intelectual, era inteiramente voltada para a religião. Esse clima familiar, até mesmo banal, horrorizava o jovem Lacan.Lacan era filho primogênito, depois dele viria uma irmã, Madeleine, nascida em 1903, um irmão, Raymond, morto na infância e enfim Marc-François (1908-1994), que teria por ele grande afeição. Em 1929, Marc-François se tornou monge beneditino e entrou para a abadia de Hautecombe, situada às margens do lago do Bouget, tendo inclusive participado do “Vocabulaire de théologie biblique”, publicado sob a direção de Xavier-Léon Dufour, com uma contribuição sobre o dom da presença de Deus.Em 1918, o jovem não encontrou entre os que voltaram da guerra o pai carinhoso, moderno e cúmplice, que tanto amava na infância. No entanto, tinha sido uma tia materna quem percebera a precocidade do menino, permitindo que estudasse no colégio Stanislas, em Paris; seu condiscípulo Louis Lepreince-Ringuet relatou seus dotes de então para a Matemática. Depois de estudos no Colégio Stanislas, Lacan rompeu com o catolicismo. Com a idade de 16 anos, admirava a “Ética” de Baruch Spinoza (1632-1677). Um ano depois, voltou-se para o nietzscheísmo, e durante algum tempo ficou fascinado com Charles Maurras (1868-1952), cujo estetismo e gosto pela língua adotou. Enfim, interessou-se pela vanguarda literária. Alfred Lacan, que desejava que seu filho mais velho assumisse a sucessão de seus negócios e desse um impulso decisivo ao comércio de mostarda, não compreendia nem aprovava sua evolução. Quanto a Émilie Lacan, ignorava tudo sobre a vida que o filho levava, fora dos caminhos da religião e do conformismo burguês.O provinciano foi introduzido na vida mundana da capital, sendo seduzido por ela; essa dissipação não o impediu de associar aos sólidos estudos médicos um interesse eclético, mas despido de amadorismo, pelas Letras e pela Filosofia (mais os pré-socráticos e Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel [com Kojève] e Marx (com Gilson), pela História (Marc Bloch e les Annales), pela lingüística (F. de Saussure, em seus primórdios) e pelas ciências exatas (em particular, a Lógica, com B. Russel e Couturat)). Como primeira publicação, tem-se dele um poema publicado em “Lê Phare de Neuilly” dos anos 20; obra de fatura clássica, em alexandrinos bem ritmados e de leitura sempre agradável, sem dúvida devido à submissão da forma ao fundo. Os estudos de psiquiatria misturaram-se com a freqüência aos surrealistas, o que o colocou entre os dois meios. Mais tarde, irá dizer que a apologia do amor pareceu a ele um impasse irredutível do movimento de A. Breton).Na Paris dos anos 1920, este aspirava à glória, comparava-se a Rastignac, freqüentava a livraria de Adrienne Monnier e os surrealistas, assistia com entusiasmo à leitura pública do “Ulisses” de James Joyce (1882-1941), ligando-se a escritores e poetas. Tornando-se residente no Hospital Sainte-Anne, onde foi aluno de Henri Claude ao mesmo tempo que seu amigo Henri Ey, orientou-se para a psiquiatria, seguindo os ensinamentos de Georges Heuyer (1884-1977), Georges Dumas (1866-1946) e Gaëtan Gatian de Clérambault, cujo estilo deixaria nele uma forte marca. Em junho de 1932, começou sua análise didática com Rudolph Loewenstein e, no fim do ano, publicou sua tese sobre a história de uma mulher criminosa (Marguerite Anzieu), da qual fez um caso de paranóia de auto-punição (o caso Aimée).Na sua tese de medicina, “Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade”, de 1932, foi um momento inaugural da sua carreira de médico psiquiatra. É assim uma ilustração clínica das potencialidades do amor, quando esse é levado ao extremo: a facada dada por Aimée na vedete que, a título de ideal, absorvia seu investimento libidinal. Porém, este estudo também representa uma ruptura com os trabalhos dos psiquiatras franceses da época, que viam na psicose paranóica um agravamento dos traços que definiam o caráter paranóico. G.G. de Clérambault, o único mestre que conseguiu apóia-lo e em relação ao qual Lacan confessará sua dívida por toda a vida, irá condena-lo, acusando-o de plágio. O cenário está montado, e nunca irá mudar: a independência de um pensamento solidamente argumentado, em choque com os mestres, a quem ele contraria e dessa forma põe a nu; e também a negativa em ceder ao orgulho do solitário. Seus estudos sobre paranóia, de fato, mostram a ele que os traços manifestados ao mundo pelo doente, são os seus, por ele próprio ignorado (dir-se-ia projetado); e um texto precoce, “Sobre a asserção de certeza antecipada” ilustra, a respeito de um sofisma, que a salvação individual não é um negócio privado, mas da inteligência coletiva, ainda que concorrente. Não há, pois, belas almas, o que seus alunos a seguir não deixarão de lhe censurar, pois não tinha nada mais a lhes propor do que a honestidade intelectual: cada um deve dela deduzir sua moral.A descrição fenomenológica exaustiva de um caso, sua tese, dirá Lacan, levou-o à psicanálise; o único meio de determinar as condições subjetivas da prevalência do duplo na constituição do eu.Magnífica síntese de todas as aspirações freudianas e anti-organicistas da nova geração psiquiátrica francesa dos anos 1920, esse trabalho foi imediatamente considerado uma obra-prima por René Crevel (1900-1935), Salvador Dali (1904-1989) e Paul Nizan (1905-1940), principalmente, que apreciaram a utilização feita por Lacan dos textos romanescos da paciente e da força doutrinária de sua posição quanto à loucura feminina. No ano seguinte, na revista “Lê Minotaure”, Lacan dedicou um artigo ao crime cometido em Mans por duas domésticas (as irmãs Papin) contra suas patroas. Viu nesse ato, de uma intensa selvageria, uma mistura de delírio a dois, de homossexualidade latente, mas antes de tudo o surgimento de uma realidade inconsciente que escapava às próprias protagonistas. Desse drama Jean Genet (1910-1986) tirou uma peça, “Les Bonnes”, e Claude Chabrol um filme, sessenta anos depois, “La Cérémonie”.Lacan era estimado como um brilhante intelectual fora dos meios psicanalíticos franceses, porém sofreu por não ser reconhecido pela Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), na qual seus trabalhos não eram levados em conta e seu anticonformismo causava irritação.Sua análise com Loewenstein durou seis anos e meio, e acabou com um fracasso e um desentendimento duradouro entre ambos. Finalmente, graças à intervenção de Édouard Pichon, Lacan foi titularizado em 1938. Pichon reconhecia seu gênio e queria fazer dele, apesar de seu hegelianismo, o herdeiro de uma tradição “francesa” do freudismo, Lacan nunca obedeceria a essa injunção.A passagem por Paris, em 1933, dos psicanalistas berlinenses a caminho dos Estados Unidos, deu-lhe a ocasião de dirigir-se mais a R.Loewenstein do que a A. Hesnard, R. Laforgue, E. Pichon e até mesmo à princesa Bonaparte. Uma carta que dirigiu a Loewenstein, em 1953, quando de seus atritos com o Instituto de Psicanálise, publicada muito mais tarde, testemunha uma relação de confiança com seu psicanalista, baseada em uma comunhão de rigor intelectual; essa não irá impedir, aliás, seu correspondente, então nos Estados Unidos, de condena-lo, diante de seus pares.A paisagem psicanalítica francesa no pré-guerra era, à maneira de nossas vilas, organizadas ao redor do campanário. Não seria ofender aos seus protagonistas dizer que todos pareciam ter sido delegados por sua capela para controlar um produto importado da Viena cosmopolita: Hesnard era médico da Royale, Laforgue se envolveu na vida da colaboração, Pichon era maurassiano.Em 1934, casou-se com Marie-Louise Blondin (1906-1983), irmã de seu amigo Sylvain Blondin (1901-1975), apelidada Malou. A viagem de núpcias foi na Itália. Pela primeira vez, Lacan descobriu com encantamento a cidade de Roma, pela qual se apaixonou, como Freud. Mas a cidade antiga lhe interessava menos do que a Roma católica e barroca. Durante horas, contemplou os êxtases de Bernini e a arquitetura das igrejas e dos monumentos.Desde o início, o casamento foi insatisfatório. Malou acredita ter-se casado com um homem perfeito, cuja fidelidade conjugal estaria à altura de seus sonhos de felicidade. Ora, Lacan não era esse homem, nem nunca seria. Três filhos nasceram: Caroline (1937-1973), Thibaut, Sibylle.A partir de 1936, Lacan iniciou-se na filosofia hegeliana, no seminário que Alexandre Kojève (1902-1968) dedicou à “Fenomenologia do espírito”. Ficou conhecidos Alexandre Koyré (1892-1964), Georges Bataille (1897-1962) e Raymond Queneau (1903-1976). Freqüentou a revista “Recherches Philosophiques” e participou das reuniões do Collège de Sociologie. Desses anos de grande riqueza cultural e teórica, tirou a certeza de que a obra freudiana devia se relida “ao pé da letra” e à luz da tradição filosófica alemã.Em 1936, cruzou pela primeira vez a história do freudismo internacional indo a Marienbad para o Congresso da International Psychoanalytical Association (IPA). Nesse congresso, apresentou uma exposição sobre o estádio do espelho. Mas Ernest Jones cortou-lhe a palavra apenas com dez minutos de sua exposição. Foi em seguida para Berlim assistir ao Jogos Olímpicos. O triunfo do nazismo provocou nele um sentimento de repugnância.Em 1938, a pedido de Henri Wallon (1879-1962) e de Luciene Febvre (1878-1956), fez um balanço sombrio das violências psíquicas próprias da família burguesa em um verbete da “Encyclopédie française”. Constatando que a psicanálise nascera do declínio do patriarcado, Lacan apelava para a revalorização de sua função simbólica no mundo ameaçado pelo fascismo.Desde 1937, apaixonou-se por Sylvia Maklès-Bataille (1908-1993). Separada nessa época de Georges Bataille mas continuando a ser sua esposa, atuou em um filme de Jean Renoir (1894-1979), “Ume partie de campagne”. Era mãe de uma menina, Laurence Bataille (1930-1986), que se tornaria uma notável psicanalista. Proveniente de uma família judia romena, Sylvia Bataille integrou-se à alegre equipe do grupo Octobre, com Jacques-Bernard Brunius, Raymond Busseères e Joseph Kosma. Sob a direção de Jacques (1900-1977) e Pierre Prévert, os outubristas procuravam renovar o teatro popular, inspirando-se em Bertolt Brecht (1898-1956) e Erwin Piscator (1893-1966). A irmã mais velha de Sylvia, Bianca, se casou com o poeta surrealista Theodor Frankel, a mais nova, Rose, com André Masson (1896-1987) e a terceira, Simone, com Jean Piel, diretor da revista “Critique”.Somente Marie Bonaparte tinha por Freud um apego transferencial que não podia ser negado; ela foi, aliás, a única visita de Freud, a caminho de Londres, quando de sua passagem por Paris, em 1939. Seja qual for, o meio parecia aguardar que um homem jovem, bem dotado e de boa família, contribuísse na invenção de uma psicanálise entre nós.Mais uma vez, a decepção foi recíproca. Na última edição da “Revue Française de Psychanalyse”, a única publicada em 1939, uma crítica de Pichon comenta o artigo de Lacan sobre “A Família”, publicado em “L’Encyclopédie française”, a pedido de Anatole de Monzie, deplorando nele um estilo marcado mais pelos idiomatismos alemães do que pela bem conhecida clareza francesa. Depois da guerra, novamente irá se encontrar, em 1945, o traço de Lacan, com um artigo publicado louvando “a psiquiatria inglesa durante a guerra”.Quando a guerra começou, Sylvia Bataille se refugiou na zona livre. A cada quinze dias, Lacan a visitava. Em Paris, ele interrompeu toda sua atividade pública, recebendo apenas sua clientela particular. Sem pertencer à Resistência, manifestou claramente hostilidade a todas as formas de anti-semitismo. Tinha horror do regime de Vichy e de tudo o que se referisse, de perto ou de longe, à Colaboração.Entretanto, era principalmente com sua vida privada que ele se preocupava durante os dois primeiros anos de guerra. Em setembro de 1940, Lacan encontrou-se em uma situação insustentável. Anunciou à sua mulher legítima, que estava grávida de oito meses, que Sylvia, sua companheira, também esperava um filho. Malou pediu o divórcio imediatamente e foi em plena crise de depressão que deu à luz, a 26 de novembro, uma menina à qual deu o nome de Sibylle. “Quando eu nasci, escreveria esta em 1994, meu pai não estava mais conosco. Até poderia dizer que, quando fui concebida, ele já estava em outro lugar [...]. Sou o fruto do desespero. Alguns dirão que sou fruto do desejo, mas não creio nisso.” Oito meses depois, em 3 de julho de 1941, Sylvia deu à luz a quarta dos filhos de Lacan, Judith, registrada com o sobrenome de Bataille. Só poderia usar o nome do pai em 1964. Essa impossibilidade de transmitir o sobrenome seria uma das determinações inconscientes da elaboração do conceito lacaniano de Nome-do-Pai.No início do ano de 1941, Lacan instalou-se na rue de Lille nº5. Ficaria ali até a morte. Em dezembro, seu casamento com Marie-Louse Blondin foi desfeito por divórcio e em 1943 Sylvia se instalou no nº3 da mesma rua com suas duas filhas, Laurence e Judith. Em julho de 1953, divorciada de Georges Bataille desde agosto de 1946, casou-se com Lacan, na prefeitura de Tholonet, perto de Aix-em-Provence. Durante muitos anos, a pedido de Malou, Lacan não revelaria aos filhos de seu primeiro casamento a existência do segundo lar, onde criava duas filhas, a sua e a de Bataille. Essa confusão teria conseqüências dramáticas para as duas famílias.“Lacan não tinha absolutamente, como objetivo, reinventar a psicanálise, escreveu Jaques-Alain Miller. Pelo contrário, situou o começo de seu ensino sob o signo de um “retorno a Freud”; apenas perguntou, a respeito da psicanálise: sob que condição ela é possível?” Em 1950, Lacan começou esse retorno aos textos de Freud, baseando-se, ao mesmo tempo, na filosofia heideggeriana, nos trabalhos da lingüística saussuriana e nos de Lévi-Strauss. Da primeira, adotou um questionamento infinito sobre o estatuto da verdade, do ser e de seu desvelamento; da lingüística, extraiu sua concepção do significante e de um inconsciente organizado como uma linguagem; do pensamento de Lévi-Strauss deduziu a noção de simbólico, que utilizou em uma tópica (simbólico, imaginário, real: S.I.R.), assim como uma releitura universalista da interdição do incesto e do complexo de Édipo.Revalorizando o inconsciente e o isso, em detrimento do eu, Lacan atacou uma das grandes correntes do freudismo, a “Ego Psychology”, da qual seu ex-analista se tornara um dos representantes, e que ele assimilava a uma versão edulcorada e adaptativa da mensagem freudiana. Chamava-a de “psicanálise americana” e lhe opunha a peste, isto é, uma visão subversiva da teoria freudiana, centrada na prioridade do inconsciente. Como fizera no período entre guerras, Lacan continuou então a estabelecer fortes relações fora do meio psicanalítico: com Roman Jakobson (1896-1982), Claude Lévi-Strauss, Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Graças a Jean Beaufret (1907-1982), de quem era analista, encontrou-se com Martin Heidegger (1889-1976).Na SPP, Lacan atraiu muitos alunos, fascinados pelo seu ensino e desejosos de romper com o freudismo acadêmico da primeira geração francesa. Começou então a ser reconhecido ao mesmo tampo como didata e como clínico. Seu senso agudo da lógica da loucura, sua abordagem original do campo das psicoses e seu talento lhe valeram, ao lado de Françoise Dolto, um lugar especial aos olhos da jovem geração psiquiátrica e psicanalítica.Em 1951, Lacan comprou uma casa de campo, a Prévôté, situada em Guitrancourt, a cerca de cem quilômetros de Paris. Retirava-se para lá aos domingos, para trabalhar e também para receber seus pacientes ou dar recepções. Adorava fazer teatro para os amigos, fantasiar-se, divertir-se e às vezes usar roupas extravagantes. Nessa casa, colecionou um número considerável de livros que, ao longo dos anos, formaram uma imensa biblioteca, cuja simples consulta demonstra o tamanho de sua paixão pelo trabalho intelectual. Em um cômodo que dava para o jardim, organizou um escritório repleto de objetos de arte. No jirau que dominava a peça única, pendurou o famoso quadro de Gustave Courbet (1819-1877) “A origem do mundo”, que comprou a conselho de Bataille e de Masson.Como todos os outros países, depois da Segunda Guerra Mundial, a França freudiana entrou na era dos conflitos, das crises e das controvérsias. A primeira cisão francesa se produziu em 1953, e se desenrolou em torno da criação de um novo instituto de psicanálise e da questão da análise leiga. Tendo como líder Sacha Nacht, os adeptos da ordem médica se opunham aos universitários liberais, que cercavam Daniel Lagache e defendiam os alunos do instituto, revoltados com o autoritarismo de Nacht.Contestado, ao longo dessa crise, pela sua prática das sessões de duração variável (ou sessões curtas), que questionavam o ritual da duração obrigatória (45-50 minutos), imposto pelos padrões da IPA, Lacan ficou do lado dos universitários. Certamente, mostrava-se favorável à análise leiga, mas não compartilhava nenhuma das teses de Lagache sobre a psicologia clínica. Recusando qualquer idéia de assimilação da psicanálise a uma psicologia qualquer, considerava os estudos de filosofia, de letras ou de psiquiatria como as três melhores vias de acesso à formação dos analistas. Reatou assim com o programa projetado por Freud, quando do congresso da IPA em Budapeste, em 1918.Seus trabalhos, empreendidos no âmbito da Associação Internacional fundada por Freud, a obra de Lacan encontraria seus referenciais institucionais na sucessão dos grupos de que ele foi fundador e mentor através de uma série de cisões e inovações. Violentamente hostil a Lacan e impressionada com a agitação de seus alunos, Marie Bonaparte, mesmo favorável à análise leiga, deu apoio ao grupo de Nacht, provocando assim a partida dos liberais e da grande maioria dos alunos. Lagache fundou então a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP, 1953-1963), formada por Lacan, Dolto, Juliette Favez-Boutonier, e pelos principais representantes da terceira geração psicanalítica francesa: Didier Anzieu, Jean Laplanche, Jean-Bertrand Pontalis, Serge Leclaire, François Perrier, Daniel Wildlöcher, Jenny Aubry, Octave Mannoni, Maud Mannoni e Moustapha Safouan. A exceção de Wladimir Granoff, todos estavam (ou tinham estado) em análise ou em supervisão com Lacan. O motivo do rompimento com a IPA foi a decisão tomada pela Sociedade Parisiense de fundar um Instituto de Psicanálise, encarregado de ministrar um ensino regulado e diplomável, tendo como modelo o da faculdade de Medicina. No entanto, a ignoraria o caráter ambíguo e espontaneamente falacioso de nossa relação com o saber, quando ele é imposto? Mas a realidade sem dúvida, era mais banal: o seminário de Lacan, os cursos na Sorbone de Legache e de Favez-Boutonier, o carisma de Dolto, atraíam a maioria dos estudantes, que, aliás, acompanharam-nos nesse êxodo. Este conheceu a atmosfera estimulante e fraterna das comunidades de liberados por sua partida..Quando do primeiro congresso da SFP, que se realizou em Roma em setembro de 1953, Lacan fez uma notável intervenção, “Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise” (ou “Discurso em Roma”), na qual expôs os principais elementos de seu sistema de pensamento, provenientes da lingüística estrutural e de influências diversas, oriundas da filosofia e das ciências. Elaborou vários conceitos (sujeito, imaginário, simbólico, real, significante), que desenvolveria ao longo dos anos enriquecendo-os com novas formulações clínicas e depois lógico-matemáticas: foraclusão, Nome-do-Pai, matema, nó borromeano, sexuação.Graças a seu amigo Jean Delay, obteve um anfiteatro no Hospital Sainte-Anne. Durante dez anos, duas vezes por mês realizou ali seu seminário, comentando sistematicamente todos os grandes textos do corpus freudiano e dando assim origem a uma nova corrente de pensamento: o lacanismo. O “Discurso de Roma” foi publicado no primeiro número de “La Psychanalyse”, revista da SFP. A cada ano, Lacan daria a essa revista o texto de suas melhores conferências, que eram uma espécie de resumo dos temas do seminário. Também publicaria nela artigos de Martin Heidegger, Émile Benveniste, Jean Hyppolite (1907-1968) e muitos outros.Durante dez anos, o ensino de Lacan deu à comunidade freudiana francesa um desenvolvimento considerável: “nossos mais belos anos”, diriam os ex-combatentes desse grupo em crise e desse movimento em busca de reconhecimento. Ao deixar a SPP, os fundadores da SFP tinham perdido, sem se dar conta, sua filiação à IPA. A partir de 1953, iniciaram-se negociações com a executiva central, para que esse segundo grupo francês fosse filiado. Nessa época, ninguém pensava em se emancipar da legitimidade freudiana, muito menos Lacan. Apoiados por ele, Granoff, Leclaire e Perrier formaram uma “tróica”, cuja tarefa era negociar a reintegração da SFP. Depois de anos de discussão e intercâmbio, o comitê executivo da IPA recusou a Lacan e a Dolto o direito de formar didatas. As razões dessa recusa eram complexas. Lacan era acusado de transgressão das regras técnicas, principalmente das que determinavam a duração das sessões. Quanto a Dolto, o problema era, em parte, sua maneira de praticar a psicanálise de crianças, mas também sua formação didática: nessa época, os alunos de René Laforgue foram convidados a fazer uma nova análise.A segunda cisão (“excomunhão”, como diria Lacan) do movimento psicanalítico ocorreu durante o inverno de 1963. Foi vivida como um desastre por todos os membros da SFP, tanto pelos alunos quanto pelos negociadores: Leclaire, Lacan, Granoff, Perrier, e Pierre Turquet pela Grã-Bretanha.Em 1964, a SFP foi dissolvida e Lacan fundou a École Freudienne de Paris (EFP), enquanto a maioria de seus melhores alunos se posicionou ao lado de Lagache, na Associação Psicanalítica da França (AFP), reconhecida pela IPA. Obrigado a deslocar seu seminário, Lacan foi acolhido, graças à intervenção de Louis Althusser, em uma sala da École Normale Supérieure (ENS), na rue d’Ulm, onde pôde prosseguir seu ensino.Em um artigo de 1964, Althusser fez um belo retrato de Lacan, bastante preciso. Apreendeu muito bem suas grandezas e fraquezas, seu rigor teórico, sua dor nos combates: “Daí a paixão contida, escreveu ele, a contenção apaixonada da linguagem de Lacan, que só pode viver e sobreviver em estado de alerta e prevenção. Linguagem de um homem assediado e condenado, pela força esmagadora das estruturas e das corporações, a prever seus golpes, a pelo menos fingir que responde a eles antes de recebe-los, desencorajando assim o adversário de abate-lo sob os seus [...]. Tendo que ensinar a teoria do inconsciente a médicos, analistas ou analisados, Lacan lhes dá, na retórica de sua fala, o equivalente mimético da linguagem do inconsciente, que é, como todos sabemos, em sua essência última, Witz, trocadilho, metáfora, bem ou malsucedida: o equivalente da experiência vivida em sua prática, seja ela de analista ou de analisado.”Na ENS, Lacan conquistou um novo auditório, uma parte da juventude filosófica francesa, à qual Althusse confiou o cuidado de trabalhar seus textos. Entre eles, encontrava-se Jacques Alain Miller, que se casou com Judith Lacan em 1966. Tornou-se redator dos seminários do sogro, seu executor testamentário e o iniciador, a partir de 1975, de uma corrente neolacaniana no próprio interior da EFP.Em 1965, com o estímulo da François Wahl, Lacan fundou a coleção “Champ Freudien” nas Éditions du Seuil e, no ano seguinte, em 15 de dezembro de 1966, publicou os Escritos. A obra mostrava os vestígios de sua difícil elaboração: reescrita do próprio Lacan, correções múltiplas de Wahl, comentários de Miller. Lacan recebeu enfim a consagração esperada e merecida: 5.000 exemplares foram vendidos em 15 dias, antes mesmo que aparecessem resenhas na imprensa. Mais de 50.000 exemplares foram vendidos na edição comum e a venda da edição de bolso bateria todos os recordes para um conjunto de textos tão difíceis: mais de 120.000 exemplares o primeiro volume, mais de 55.000 o segundo. Doravante, Lacan seria reconhecido, celebrado, odiado ou admirado como um pensador de envergadura, e não mais apenas como um mestre da psicanálise. Sua obra seria lida e comentada por inúmeros filósofos, entre os quais Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925-1995).Antes mesmo do aparecimento do seu “opus magnum”, Lacan foi aos Estados Unidos, convidado para o simpósio sobre o estruturalismo organizado em outubro de 1966 por René Girard e Eugenio Donato, na Universidade Johns Hopkins, de Baltimore: “Em Baltimore, escreveu Derrida, ele me falou sobre como pensava que o leriam, especialmente eu, depois de sua morte [...]. A outra inquietação que ele me confidenciou se referia aos “Écrits”, que ainda não tinham sido publicados, mas que logo o seriam. Lacan estava preocupado, um pouco descontente, pareceu-me, com aqueles que na editora lhe aconselharam reunir tudo em um único volume [...]. Você verá, disse ele, fazendo um gesto com a mão, vai soltar.” Lacan voltou aos Estados Unidos em 1976, para fazer uma série de conferências nas universidades da costa leste. A leitura de sua obra ficaria limitada aos intelectuais, às feministas e aos professores de literatura francesa.Confrontado com o gigantismo da EFP, Lacan tentou resolver os problemas de formação com a introdução do passe, novo procedimento de acesso à análise didática. Aplicado a partir de 1969, provocou a partida de um grupo de analistas oponentes (Perrier, Piera Aulagnier, Jean-Paul Valabrega), que formaram uma nova escola: a Organização Psicanalítica de Língua Francesa (OPLF) ou Quarto Grupo. Essa cisão, a terceira da história do movimento francês, marcou a entrada da EFP em uma crise institucional que resultou em sua dissolução a 5 de janeiro de 1980, e depois na dispersão do movimento lacaniano em cerca de vinte associações.Em 1974, Lacan dirigiu, na Univerdidade de Paris-VIII, no departamento de psicanálise, fundado por Serge Leclaire em 1969, um ensino do “Campo freudiano”, cuja responsabilidade confiou a Jacques-Alain Miller. Encorajou então a transformação progressiva de sua doutrina em um corpo de doutrina fechado, enquanto trabalhava para fazer da psicanálise uma ciência exata, baseada na lógica do matema e na topologia dos nós borromeanos.Atingido por distúrbios cerebrais e por uma afasia parcial, depois de passar sozinho um final de agosto, morre Lacan, em 9 de setembro de 1981, na Clínica Hartmann de Neuilly, depois da ablação de um tumor maligno do cólon. Tendo sido enterrado com uma discrição que não permitiu que muitos de seus alunos mais próximos rendessem a ele a homenagem que lhe deviam.Certo dia, quando conversava com sua amiga Maria Antonietta Macciocchi, Lacan lhe fez uma confidência: “Ah, minha cara, os italianos são tão inteligentes! Se eu pudesse escolher um lugar para morrer, seria em Roma que eu gostaria de acabar os meus dias. Conheço todos os ângulos de Roma, todas as fontes, todas as igrejas... Se não fosse Roma, eu me contentaria com Veneza ou Florença: eu sou sob o signo da Itália.”Dentre os grandes intérpretes da história do freudismo, Jacques Lacan foi o único a dar à obra freudiana uma estrutura filosófica e a tira-la de seu ancoramento biológico, sem com isso cair no espiritualismo. O paradoxo dessa interpretação inovadora única é que ela reintroduziu na psicanálise o pensamento filosófico alemão, do qual Sigmund Freud se tinha voluntariamente afastado. Essa poderosa contribuição fez de Lacan o único verdadeiro mestre da psicanálise na França, o que lhe valeu muita hostilidade. Mas se alguns de seus ferozes adversários foram injustos, ele se prestou à crítica ao cercar-se de discípulos pedantes, que contribuíram para obscurecer um ensino certamente complexo e muitas vezes enunciado em uma língua barroca e sofisticada, mas perfeitamente compreensível (pelo menos até 1970).Lacan sofria de inibições na escrita e precisou de ajuda para publicar seus textos e transcrever o famoso seminário público, que se realizou de 1953 a 1979. Nove seminários entre vinte e cinco foram “estabelecidos” e publicados por seu genro, Jacques-Alain Miller, entre 1973 e1995. O vigésimo sexto seminário, do ano 1978-1979, é “silencioso”, pois Lacan não mais podia falar.Jacques Lacan redigiu cerca de 50 artigos, em geral oriundos de conferências: 34 deles, os mais importantes, foram reunidos pelo editor François Wahl em 1966, em uma imponente obra de 900 páginas, intitulada “Écrits”, à qual se devem acrescentar as “variantes” realizadas em 1994 por Angel de Frutos Salvador. Um grande artigo de Lacan, publicado em 1938, foi editado em livro por Jacques-Alain Miller em 1984 (Les complexes familiaux), outro, “L’Étourdit”, foi publicado na revista “Scilicet”, fundada por Lacan. Enfim, duas entrevistas foram realizadas, uma por Robert Georgin para a Rádio Televisão Belga (“Radiophonie”), outra por Jacques-Alain Miller, para um filme do serviço de pesquisas da ORTF, realizado por Benoit Jacquot (Télévision). Jacques Lacan escreveu apenas um livro, sua tese de medicina de 1932 publicada sob o título “Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade, na qual relatou o caso de Marguerite Anzieu.Seus outros artigos, assim como suas numerosas intervenções em colóquios ou na École Freudienne de Paris (EFP) estão dispersos em várias revistas. Sua correspondência é quase inexistente: 247 cartas recenseadas por Elisabeth Roudinesco em 1993. A obra de Lacan está traduzida em 16 línguas, e Jöel Dor realizou a melhor bibliografia do conjunto de títulos, publicados e inéditos.Jacques Lacan reinterpretou quase todos os conceitos freudianos, assim como os grandes casos (Herbert Graf-Hans, Ida Bauer, Serguei Constantinovitch Pankejeff, Ernst Lanzer e Daniel Paul Schreber) e acrescentou ao corpus psicanalítico sua própria conceitualidade.Existem dois dicionários dos conceitos lacanianos: um em inglês, realizado por Dylan Evans, outro em espanhol, por Ignácio Garate e José Miguel Marinas. Alguns dos mais belos comentários da obra de Lacan foram escritos por filósofos: Louis Althusser (1918-1990), Jacques Derrida, Christian Jambet, Jean-Claude Milner e Bernard Sichère.
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